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2 de fevereiro de 2011

INSTRUMENTOS LEGAIS DO DIREITO À EDUCAÇÃO


1. Direito à educação – o que diz a Lei?
Dentro do rol dos direitos humanos fundamentais encontra-se o direito à educação, amparado por normas nacionais e internacionais (1). Trata-se de um direito fundamental, porque inclui um processo de desenvolvimento individual próprio à condição humana. Além dessa perspectiva individual, este direito deve ser visto, sobretudo, de forma coletiva, como um direito a uma política educacional, a ações afirmativas do Estado que ofereçam à sociedade instrumentos para alcançar seus fins.
Nesse sentido, iluminado pelo valor da igualdade entre as pessoas, o direito à educação foi consagrado pela primeira vez em nossa Constituição Federal de 1988 como um direito social (artigo 6º da CF/88). Com isso, o Estado passou formalmente a ter a obrigação de garantir educação de qualidade a todos os brasileiros.
É importante ressaltar, porém, que o Poder Público não é o único responsável pela garantia desse direito. Conforme previsto no artigo 205 da Constituição Federal, a educação também é dever da família e à sociedade cabe promover, incentivar e colaborar para a realização desse direito.
Especificamente em relação às crianças e aos adolescentes, tanto a Constituição Federal (artigo 227, CF/88) como o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 4º da Lei 8.069/90) prevêem que a família, a sociedade e o Estado devem assegurar os direitos fundamentais desses sujeitos, e aí se inclui a educação, com absoluta prioridade.
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2. A que tipo de educação temos direito?
O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito que pode ser exigido do Estado
Segundo o ECA (artigo 53), “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. Nesse sentido, a lei assegura:
  • Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
  • Direito de ser respeitado por seus educadores;
  • Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
  • Direito de organização e participação em entidades estudantis, e
  • Acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência.
Para que estes direitos sejam observados, o ECA também estipula os deveres do Estado (artigo 54). São eles:
  • Garantir ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
  • Assegurar progressivamente a extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;
  • Oferecer atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
  • Oferecer atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
  • Garantir acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
  • Ofertar ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;
  • Promover atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Por fim, é importante lembrar que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é um direito público subjetivo, ou seja, pode sempre ser exigido do Estado por parte do cidadão. Assim, caso o Poder Público não garanta o acesso à educação ou caso não o faça de maneira regular, o cidadão tem a possibilidade de exigir judicialmente que seu direito seja observado, obrigando o Estado a fazê-lo.
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3. Quem garante o direito à educação?
O Estado, por meio de todos os seus poderes (executivo, legislativo e judiciário) e níveis da federação (União, Estados, Municípios), deve efetivar os direitos e garantias constitucionais, o que significa não só oferecer as condições para o exercício do direito, como também fiscalizar o seu cumprimento. Para tanto, existem várias instituições do poder público que possuem, dentre suas atribuições, a função de zelar pela observância do direito à educação, tais como: as Coordenadorias de Educação (escolas municipais), Diretorias Regionais de Ensino (escolas estaduais), Secretarias de Educação (estadual e municipal), Defensoria Pública, Ministério Público, Poder Judiciário, Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, entre outros.
Os Conselhos Tutelares podem intervir nos casos em que os pais não encontram vagas nas escolas
Os poderes executivos, ou seja, as prefeituras, os governos estaduais e o governo federal, têm como função principal, no que tange o direito à educação, promover essa política social básica. Isso significa dizer que esses poderes são obrigados a oferecer uma rede regular de ensino em todos os âmbitos e cuidar da gestão dessa rede.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) determina que à União cabe a função de estabelecer uma política nacional de educação, especialmente por meio de leis. Os Estados, segundo a LDB, devem oferecer o ensino fundamental gratuito e priorizar o ensino médio. E aos municípios cabe prover o ensino infantil (creche e pré-escola) e priorizar o ensino fundamental. Caso estas autoridades não cumpram o que a lei determina, elas podem ser responsabilizadas judicialmente por isso.
A Defensoria Pública é o órgão responsável por prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que não dispõem de recursos suficientes para pagar um advogado sem comprometer seu sustento. O Defensor, na condição de advogado público, deve zelar pelos direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição, dentre eles o direito à educação. Na defesa desse direito, o Defensor pode se utilizar de algumas atribuições, tais como promover as chamadas ações civis públicas; exercer a defesa da criança e do adolescente; orientar, informar e conscientizar a população acerca dos seus direitos (artigo 4º da Lei Complementar 80/94).
Em algumas Defensorias Públicas estaduais, existem Núcleos Especializados, tais como o de “interesses difusos e coletivos” e da “infância e juventude”, que buscam a efetivação dos direitos não só individuais, mas também dos chamados direitos difusos e coletivos, isto é, direitos que protegem um bem jurídico cujos titulares são um grupo ou toda a sociedade. Assim, por meio de ações individuais ou coletivas e da atuação de seus Núcleos Especializados, a Defensoria Pública pode garantir o acesso à Educação, bem como pressionar para a melhoria da qualidade do ensino público.
O Ministério Público tem como funções primordiais a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, de modo que também deve atuar na garantia da educação, por meio de ações individuais e coletivas. Os Ministérios Públicos estaduais muitas vezes constituem um Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude para cuidar especificamente da defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Uma ferramenta importante de atuação tanto da Defensoria Pública como do Ministério Público é a ação civil pública - um instrumento processual de ordem constitucional, destinado à defesa de interesses difusos e coletivos, dentre eles o direito à educação. Como exemplos concretos de utilização desse instrumento na defesa à educação, há ações requerendo reformas em estabelecimentos de ensino; notificações recomendando o fechamento de escolas particulares irregulares; ações visando garantir a oferta regular de ensino em períodos de greve de servidores públicos, entre outras.
Os Conselhos Tutelares, por sua vez, são órgãos permanentes e autônomos, não jurisdicionais, encarregados pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 131). Entre as atribuições do Conselho Tutelar, destacam-se: o atendimento às crianças e aos adolescentes, inclusive aplicando as medidas protetivas previstas no ECA; requisitando serviços públicos na área da saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança (artigo 136)..
O Conselho pode intervir nos casos em que os pais não encontram vagas nas escolas para os filhos, determinando ao serviço público o atendimento da demanda; ou ainda, exigir dos pais a matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino. Por fim, caso essas requisições não sejam atendidas, o Conselho Tutelar deverá encaminhar o caso ao Ministério Público.
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4. O papel da família no fomento à Educação
Mesmo os jovens que tenham cometido atos infracionais devem ter preservado seu direito de acesso à educação
A família é um dos três eixos de promoção do direito à Educação. Os pais são responsáveis por matricular seus filhos nas instituições de ensino e garantir a permanência deles (artigo 55 do ECA). Inclusive, alguns programas públicos de distribuição de renda condicionam o benefício à freqüência escolar dos jovens sob tutela dos pais, atestando a família como principal incentivadora dos estudos.
O Estatuto prevê, entre as medidas que são aplicáveis aos pais ou responsáveis, a obrigação de matricular o filho em estabelecimento de ensino e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar (artigo 129, inciso V do ECA).
Evidente, portanto, que, além de uma atribuição do Estado – que tem o dever de fazê-los zelar pela freqüência escolar (artigo 54, parágrafo 3º, ECA) –, a responsabilização pela matrícula e acompanhamento das crianças e jovens no ensino fundamental é compartilhada com a família (pais e responsáveis).
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5. O direito à educação e as medidas protetivas e socioeducativas
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação de medidas protetivas sempre que os direitos nele previstos forem ameaçados ou violados, seja pelo Estado, pela sociedade ou pela própria família. Entre as medidas existentes, há previsão de matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental (artigo 101, inciso III do ECA).
As medidas de proteção podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente com as medidas socioeducativas; estas previstas exclusivamente aos adolescentes que tenham praticados atos infracionais.
É importante ressaltar que independentemente da situação do adolescente, esteja ele cumprindo uma sanção pela prática de um delito ou não, seu direito à educação formal, bem como outros direitos fundamentais, em nada é afetado.
A Liberdade Assistida inclui em sua execução o acompanhamento da escolarização do adolescente; na Prestação de Serviços à Comunidade, o período determinado para o cumprimento da medida não pode prejudicar o tempo de estudo; a medida de semiliberdade comumente vem acompanhada de uma medida protetiva de matrícula e freqüência obrigatória em estabelecimento de ensino e, por fim, quanto à medida privativa de liberdade, os estabelecimentos de internação devem necessariamente oferecer escolarização e profissionalização aos adolescentes.
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6. O direito à educação aos portadores de deficiências
Os jovens portadores de deficiência física e/ou psíquica também recebem atenção especial do Estado quando o assunto é garantia do direito à educação.
O não oferecimento ou oferecimento irregular de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência pode gerar uma ação de responsabilidade por ofensa aos direitos das crianças e dos adolescentes (artigo 208, inciso II do ECA).
A Constituição Federal também prevê a “criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e convivência, e a facilidade de acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos” (artigo 227, parágrafo 1º, inciso II da CF/88).
Outras legislações também garantem proteção especial à educação de jovens portadores de deficiência física e/ou psíquica. A LDB, em seu artigo 4º, inciso III, prevê o atendimento educacional especializado e gratuito aos jovens com necessidades especiais. Por fim, complementa a matéria sobre educação especial o seu artigo 58: “entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.”
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7. Conclusão
A educação, como um direito fundamental, estrutura-se como um dever compartilhado entre Estado, família e sociedade
Tomando a legislação como ponto de partida, podemos dizer que a educação como um direito fundamental estrutura-se como um dever compartilhado entre Estado, família e sociedade. O Poder Público, como um dos responsáveis pelo fomento à educação, deve promover ações não só no âmbito de elaboração de políticas públicas (executivo), no âmbito de elaboração de leis (legislativo), mas também exercendo o papel de protetor e fiscalizador desse direito (judiciário).
As diversas instituições do poder público relacionadas neste texto cumprem papéis importantes na garantia dos direitos dos cidadãos.
Num país marcado por desigualdades como o Brasil, onde a distribuição de direitos espelha essa desigualdade, garantir o direito à educação é, sem dúvida, uma prioridade e um passo fundamental na consolidação da cidadania.
Conhecer seus direitos, os caminhos de acesso à justiça, e as ferramentas disponíveis para concretizá-los é o primeiro passo.
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(1) Neste texto, apresentamos apenas um panorama do direito à educação na legislação nacional. No entanto, devemos lembrar que muitas dessas leis encontram parâmetros em normativas internacionais. Alguns exemplos são o Pacto Internacional relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos (1990), a Declaração de Amsterdã (2004) e a Declaração de Jacarta (2005).

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