Leia Entrevista de Paulo Freire sobre a opressão na vida pessoal e na família
Narramos agora trechos de uma entrevista feita com Paulo Freire em 1981 a um Jornal ligado ao movimento juvenil “Geração Nova” onde poderemos ver a relação entre a questão da vida pessoal e da prática de alguns que se dizem Marxistas.
O nome do jornal era Gen’s e o grupo produtor era vinculado ao Movimento Focoloares.
Perguntado sobre a opressão político – econômica e sua reprodução na vida pessoal e dentro da família Paulo Freire Respondeu:
Tenho a impressão de que a superação das relações opressoras dentro da família, só se dá na medida em que a sociedade toda se modificar radicalmente. Isto não significa que não se faça nada antes! Inclusive isto seria esperar o que não viria. Mas é preciso ter um mínimo de consciência deste fenômeno e estabelecer um equilíbrio entre uma forma de viver, às vezes profundamente distinta, dentro da família e a que se dá no mundo. E inclusive preparar os filhos muito bem para eles não se chocarem com essa diferença. Quer dizer, eles precisam ser capacitados para o conflito. E vivendo dentro de um lar harmonioso, pode – se até esquecer do conflito.
Por outro lado , há muito cristão que pensa, quando se ouve falar em conflito , que “conflito” é coisa que se deve acabar. È pelo contrário , estou muito convencido que o conflito é formador; o conflito faz o parto da consciência. O conflito existe e há que se aprender nele.
Outro aspecto importante é a coerência entre o discurso, entre a explicitação da opção e a prática da gente. Não é possível ser cristão e reacionário ao mesmo tempo. Eu acho uma incoerência absoluta, terrível. Não entendo como se pode ser um cristão capitalista! Você pode ser cristão, dizer – se e pagar Cr$ 3.000,00 a uma empregada? Como é possível? Eu sou cristão e pago três mil cruzeiros à empregada , tenho uma chave no meu refrigerador, senão ela pode abrir e comer a comida melhor que eu tenho. Água da geladeira ela não tem direito. Tem que tomar a água da torneira. Tem que trabalhar o dia inteiro. Tem que me esperar até altas horas para servir o meu jantar. E se ela acha ruim , eu a despeço, porque vem outra... eu não compreendo como é que pode bater uma coisa com a outra.
Outra questão: por exemplo, alguém faz um discurso marxista, revolucionário. Inclusive dá seminários sobre Marx, na universidade. Mas transforma a mulher dele num objeto e paga Cr$ 3.000,00 à empregada. Aí não compreendo como pode bater uma forma de comportamento marxista que pretende ser “revolucionário” com uma forma de comportamento reacionário. Para este tipo de gente, o discurso é o que ajuíza a prática , quando na verdade , é a prática que ajuíza o discurso. É a prática que dá validade à palavra e não ao contrário. Acho que bater no peito e dizer “sou cristão” é coisa muito séria, muito responsável. Nunca digo que sou cristão . Eu estou procurando vir a ser.
obs; 3.000, 00 cruzeiros correspondia ao salário minimo da época.
obs; 3.000, 00 cruzeiros correspondia ao salário minimo da época.
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