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5 de julho de 2012

UMA LEITURA MARAVILHOSA


OSTRA FELIZ NÃO FAZ PÉROLA
Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias que representam as delícias dos gastrônomos . Podem ser comidas cruas, com pingos de limão , com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos - , seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse , a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem . Pois havia no fundo do mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia – se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia , música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma excessão: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática , ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “ ela não sai da sua depressão...”. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía. Ela não tinha jeito de se livrar dele , do grão de areia. Mas era possível livrar – se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava , em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava  envolvê –lo com uma substância lisa , brilhante e redonda. Assim , enquanto cantava seu canto triste , o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras , inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou , levou – as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando – se com as ostras , de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra .  Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu a de presente para a sua esposa.
Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre  O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos levaram a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles , como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentido trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ele se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem beleza , para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven – como é possível que   um homem completamente surdo , no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernado Pessoa...( RUBEM ALVES, 2008)

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