POSTS RECENTES

29 de março de 2011

PROFESSORES E NOVAS TECNOLOGIAS

Um fantasma na sala de aula Tese mostra que professores se sentem inseguros com relação ao uso de tecnologias

Jornal da Unicamp

Antonino Perri

De acordo com levantamento feito pela autora da tese, 85% dos professores entrevistados têm receio quanto ao uso de computador em atividades com alunos

Um estudo de doutorado da Faculdade de Educação (FE), realizado pela pedagoga Cacilda Encarnação Augusto Alvarenga sob orientação da docente da FE Roberta Gurgel Azzi, aponta que 85% de uma amostra de 253 professores de ensino médio de escolas públicas estaduais de Campinas ainda não se percebe altamente confiante para utilizar tecnologias no ensino, em situações que envolvem este uso com os alunos. A pesquisa, feita em 27 escolas do município entre 2009 e 2010, mostrou ainda que os professores com menos tempo de formação e de experiência docente têm uma crença mais alta de autoeficácia no uso das novas tecnologias. Alvarenga investigou a autoeficácia do professor frente às tecnologias de informação e comunicação (TIC) no ensino escolar, mais especificamente o computador e seus recursos.

A autoeficácia, segundo a Teoria Social Cognitiva (TSC), a qual foi formulada pelo professor da Universidade de Stanford Albert Bandura, trata da crença do indivíduo na sua capacidade de planejar e executar determinadas ações para atingir determinados resultados ou desempenhos. Essa crença, expõe Bandura, influencia a motivação das pessoas para realizarem tarefas e fazerem suas escolhas, e determina o quanto ela persiste diante de dificuldades ou desafios.

De acordo com a literatura internacional, a autoeficácia para utilizar TIC é um fator que influencia no seu uso. O professor com uma autoeficácia mais alta se motiva mais para ensinar utilizando as tecnologias, sendo o que mais se dispõe a romper desafios que envolvam esse uso.

A pedagoga, com graduação e mestrado na FE da Unicamp, comenta que, ainda conforme Bandura, há quatro fontes principais de informação que ajudam no processo de construção da autoeficácia: as experiências diretas ou vivenciadas pelo indivíduo; as experiências vicárias (experiências de observar outras pessoas executando tarefas); a persuasão social (julgamento, encorajamento verbal e outros tipos de influência social que informam o indivíduo sobre suas capacidades); e os estados fisiológicos e afetivos (por exemplo, cansaço, ansiedade, estresse, estados de humor, a partir dos quais as pessoas podem julgar suas capacidades perante as situações).

Alvarenga exemplifica que “o fato de um professor ter autoeficácia baixa hoje, para usar as tecnologias com seus alunos, não significa que amanhã ou daqui a um mês ela ainda será baixa”, relativiza. Vários estudos atualmente dão destaque aos programas de formação de professores para a construção ou aumento da autoeficácia. Por quê? Ao permitirem que eles participem, por exemplo, de oficinas que os levem a realizar e visualizar atividades pedagógicas com esses recursos, tais atividades tanto podem funcionar como fonte de experiência direta como de experiência vicária.

O presente estudo constatou que 66% dos entrevistados participaram de cursos de informática para aprenderem a usar softwares ou aplicativos, enquanto apenas 27% deles participaram de cursos para uso didático de tecnologias. Professores com computador em casa há mais de três anos (82,21%) demonstraram ter autoeficácia mais alta.

Pode-se entender que muito provavelmente isso ocorre porque eles têm a experiência direta de uso do computador favorecida pelo acesso e exploração dos seus recursos.

Acabam dominando-os e se sentem mais confiantes em elaborar uma proposta de atividades com os alunos. “Os professores com autoeficácia mais elevada são justamente aqueles que se sentem com maior habilidade para usar o computador no ensino, mais preparados e que se sentem mais motivados a ensinar”, descreve a pesquisadora.

Ela relata que há mais de duas décadas no Brasil se fala em informática no espaço da escola pública. Iniciativas surgiram para oferecer computadores a professores e alunos nas escolas e preparar o professor no uso didático das novas tecnologias. “Percebe-se, no entanto, que são poucos os educadores das escolas públicas que de fato consideram o laboratório de informática, quando existente nessas instituições, um espaço de ensino e aprendizagem”, conclui a pedagoga.

A pesquisa foi fruto do seu interesse em obter dados que pudessem ajudar a pensar em estratégias para aumentar a autoeficácia de professores para uso de TIC (o que Alvarenga denominou também autoeficácia computacional docente). Ademais, o Brasil carece de pesquisas que analisem mais especificamente o constructo da autoeficácia. Em sua revisão da literatura, a pesquisadora encontrou apenas um trabalho sobre o assunto, o qual foi desenvolvido com professores de escolas do município de Salvador, Bahia, porém conduzido por pesquisadores da Universidade de Lugano, Suíça.

O problema de pesquisa da pedagoga foi localizado durante uma de suas experiências profissionais na área de Tecnologia Educacional, que lhe possibilitou o contato com a realidade das escolas públicas quanto ao uso pedagógico do laboratório de informática.

Infraestrutura

Embora tenha ocorrido uma grande ampliação do acesso às TIC nos últimos anos, o estudo de Alvarenga revela que 73% dos professores participantes da pesquisa avaliaram a infraestrutura de informática disponível nas escolas como insuficiente para o trabalho pedagógico e muitos a mencionaram como o principal fator desmotivante para o uso de tecnologias com os alunos.

A pesquisadora acredita que, pelo fato da grande maioria das escolas estar passando por um processo de reforma de seus laboratórios de informática desde o semestre anterior, a coleta dos dados do estudo, e no período em que os coletou (agosto de 2009 a abril de 2010), levou os professores a sinalizarem a questão da infraestrutura como um problema.

As reformas surgiram sobretudo para atender ao Programa Acessa Escola, uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo desenvolvida pelas Secretarias de Estado da Educação e Gestão Pública, sob coordenação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), criada em 2008. Entre as finalidades do programa, está a intenção de transformar a escola em um espaço de inclusão digital, aponta a pedagoga.

Campo

A coleta de dados foi feita pela própria pesquisadora nas escolas, por meio de três instrumentos, um questionário de caracterização do participante da atividade docente e duas escalas voltadas a investigar o constructo de interesse do trabalho – a autoeficácia computacional docente. Para investigar o nível da crença de autoeficácia de professores em empregar tecnologias no ensino, buscaram-se evidências de validação para uma escala norte-americana publicada pelos professores Wang, Ertmer e Newby, em 2004.

Tal instrumento, explica a autora, apresenta 21 itens – em uma escala de 1 a 6 pontos, na qual 1 significa muito pouco confiante e 6 muito confiante – que requerem do professor informar o seu grau de confiança na sua capacidade de realizar algumas tarefas ou lidar com situações relacionadas ao uso de tecnologias no ensino. Solicita-se ao professor, por exemplo, que informe o quanto ele se sente confiante em sua capacidade em avaliar softwares educacionais ou o quanto se sente confiante em sua capacidade de motivar seus alunos a participarem de projetos que envolvem o uso de TIC.

Conforme os dados de estudos efetuados sobre a temática e também obtidos na pesquisa de Alvarenga – que vão para além da autoeficácia computacional docente – na opinião dos professores, entre os fatores que interferem no uso didático de tecnologias no espaço da escola, estão a infraestrutura insuficiente e a falta de preparação e de tempo para se apropriarem de novas metodologias. Os professores graduados há mais tempo, no caso, podem precisar de mais tempo para se inteirarem sobre elas do que os que se formaram há pouco e talvez tenham tido a oportunidade de discutir e vivenciar atividades ligadas ao uso de tecnologias em sua formação.

Mas, no geral, notou-se que a autoeficácia do professor é moderada, significando que há situações que merecem ser “trabalhadas” (a pontuação média obtida na escala foi de 3.60, em uma escala de 1 a 6 pontos), a priori mediante cursos de formação dirigidos a ele, para se sentirem mais confiantes ao usarem as tecnologias com os alunos e terem uma autoeficácia mais alta.

Cursos de formação ou o próprio acesso às tecnologias podem colaborar para que os professores se percebam com mais habilidade para usar o computador e mais preparados a ensinar com tecnologias, consequentemente contribuindo também, de acordo com os dados do estudo, para a construção ou aumento da autoeficácia.

Já a motivação para ensinar com tecnologias exige repensar as condições de trabalho docente, seja em relação à infraestrutura disponível ou ao tempo que o professor possui para preparar as aulas ou participar de cursos de formação.

Contudo, quando se pensa num curso de formação, é importante que se considere quem é esse professor, quanto tempo ele tem de formado e de experiência docente, e quais as habilidades que acredita ter ao usar o computador, a ponto de avaliar o que precisa ser feito para ajudá-lo a fazer um uso efetivo dos recursos tecnológicos disponíveis, sugere a pedagoga.

Alvarenga verifica que o estudo trouxe contribuições ao ser realizado sobre uma temática carente de pesquisas no Brasil, que é a autoeficácia para utilizar TIC no ensino; ao envolver a adaptação semântico-cultural de um instrumento de medida para identificar a crença de autoeficácia; e ao identificar fatores de ordem pessoal ou do contexto docente que podem influenciar na crença de autoeficácia e, portanto, interferir no uso de tecnologias no ensino, como o tempo de graduado e de experiência docente.

Uma das etapas finais do trabalho de Alvarenga consistiu na promoção de um evento para divulgar os resultados da pesquisa com as escolas participantes, que ocorreu recentemente no anfiteatro da Biblioteca da FE. Ainda que a adesão dos professores tenha sido baixa, lamenta Alvarenga, ela não impediu que a pesquisadora abordasse a preocupação que o Núcleo de Estudos Avançados em Psicologia Cognitiva e Comportamental (Neapsi) – coordenado pela professora Azzi – demonstra com o tema e com a interpretação dos resultados dele decorrentes.

fonte: www.correioweb.com.br

Nenhum comentário: