Pesquisa Nacional Qualidade da Educação:
a escola pública na opinião dos pais
(Pesquisa qualitativa – resultados preliminares)
APRESENTAÇÃO
Eliezer Pacheco#
Carlos Henrique Araújo##
O Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), realiza um estudo inédito, de âmbito nacional, sobre a relação família e escola. Está sendo investigada a percepção dos pais sobre a qualidade educacional das escolas, das condições de ensino e da atuação dos professores e diretores.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi uma das primeiras iniciativas na América Latina de conhecimento dos problemas e das deficiências do sistema educacional. Seu principal objetivo é orientar as políticas governamentais de melhoria da qualidade do ensino. Criado em 1990, teve seu segundo ciclo de aplicação em 1993. A partir de 1995 adquiriu um papel central e estratégico no monitoramento do sistema educacional, ao buscar oferecer informações para subsidiar o aperfeiçoamento de programas e projetos já em desenvolvimento e a adoção de novas intervenções para a promoção de maior eqüidade e efetividade dos sistemas de ensino. Além disso, passou a ser o termômetro da qualidade do aprendizado nacional, comparando o desenvolvimento de habilidades e competências básicas entre anos e entre as séries escolares investigadas, 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio.
Os dados produzidos pelo Saeb reiteram a constatação de que transformar a realidade brasileira implica um sistemático e bem orientado investimento na qualidade do ensino, considerando diversas dimensões, tais como as condições de funcionamento das escolas, a capacitação e a valorização dos profissionais, o desenvolvimento de sistemas para melhor gerenciamento das políticas educacionais, a implementação de práticas educacionais eficientes na promoção do desenvolvimento do conhecimento em sala-de-aula e o fortalecimento da cultura escolar das famílias brasileiras.
Os avanços do Saeb, principalmente em torno da consolidação de consensos sobre a necessidade e a importância de se avaliar a educação básica, são reconhecidos nacional e internacionalmente. Contudo, qualquer processo avaliativo só terá pertinência, validade e legitimidade se refletir as mudanças ocorridas na realidade investigada. Com a perspectiva de capturar com mais precisão os fenômenos educacionais afetados por intervenções de toda ordem, o sistema de avaliação incorporou novos focos de interesse a partir de 2003. Algumas variáveis introduzidas nos questionários contextuais permitiram agregar informações e aprofundar as análises de vários aspectos sobre a população pesquisada e, em certa medida, identificar se tais fatores interferem ou não na aprendizagem.
Entre as inovações introduzidas no último ciclo, contam-se, por exemplo, grupos de variáveis sobre os beneficiários do Programa Bolsa Família, sobre a violência nas escolas e sobre o professor, no que diz respeito à prática pedagógica e à interface entre processo de ensino-aprendizagem e saúde mental no trabalho.
Mesmo tendo buscado ampliar e aperfeiçoar os instrumentos de coleta, o sistema de avaliação até então não tinha investigado de forma mais precisa as famílias de estudantes das escolas básicas. Algumas informações sobre o núcleo familiar dos alunos são coletadas nos questionários por eles respondidos, e isso limita a qualidade e a quantidade das informações obtidas.
Paralelamente, a pesquisa educacional acadêmica e mundial tem indicado que uma das mais importantes dimensões explicativas acerca do desempenho de estudantes encontra-se radicada em sua origem familiar. É de fundamental importância conhecer o capital cultural e econômico da família, bem como sua percepção sobre o processo educacional de seus filhos, sua relação com as escolas, sua percepção sobre escolaridade e futuro social e econômico.
Levando essa constatação em consideração, o MEC, por meio do Inep, tomou a iniciativa de realizar um amplo estudo qualitativo e quantitativo acerca das percepções e do comportamento das famílias de estudantes do ensino fundamental. A pesquisa está coletando informações sobre a escolaridade dos chefes de domicílios, suas percepções sobre as condições de funcionamento das escolas em que seus filhos estão matriculados; suas percepções sobre a relação entre escolaridade e perspectivas de futuro, entre outros assuntos de interesse para a avaliação da educação básica no Brasil.
Dentro da perspectiva de aumentar a participação da comunidade nas questões que dizem respeito às escolas públicas brasileiras, o Inep iniciou o processo sistemático de consulta aos pais, mães e responsáveis por alunos do ensino fundamental.
A investigação está sendo implementada em duas etapas. A primeira, já realizada, constituiu numa pesquisa qualitativa exploratória, com a realização de grupos focais com pais de alunos, obedecendo a um roteiro pré-definido, com o objetivo de investigar e coletar subsídios para o tema, bem como para a formulação do instrumento de pesquisa a ser aplicado em uma amostra da população de referência.
Foram realizados dez grupos focais com a presença, cada um, de dez ou mais pais, mães e responsáveis de, pelo menos, dois filhos em idade escolar matriculados no ensino fundamental, em escolas do sistema publico de ensino, pertencentes às classes B, C +, C -, D e E pelo critério Brasil de classificação socioeconômica.
Nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste foram constituídos dois grupos mistos em cada cidade (Curitiba, Rio de Janeiro e Brasília), com 50% de homens e 50% de mulheres, um composto pelas classes B e C + e o outro formado pelas classes C -, D e E. No Norte e Nordeste, respectivamente, nas cidades de Belém e Recife, foram realizados um grupo feminino e outro masculino, ambos de classe C, D e E.
Os grupos foram reunidos nas cidades citadas entre os dias 15 e 17 de dezembro de 2004, conforme o Quadro 1. As sessões foram conduzidas por especialistas em dinâmica de grupo e acompanhadas por representantes das equipes técnicas do Inep.
Quadro 1 – Grupos focais, data de realização, cidade e perfil dos participantes - Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a escola pública na opinião dos pais. Fonte MEC/Inep/Daeb- 2004
Data de realização | Horário | Cidade | Perfil do Grupo/ Gênero e Classe de renda |
15/12/2004 | 16:00h | Belém/PA | Feminino, C -, D e E |
15/12/2004 | 19:00h | Belém/PA | Masculino, C -, D e E |
15/12/2004 | 19:00h | Recife/PE | Masculino, C -,D e E |
16/12/2004 | 19:00h | Recife/PE | Feminino, C -,D e E |
16/12/2004 | 18:00h | Brasília/DF | Misto, B e C+ |
16/12/2004 | 20:00h | Brasília/DF | Misto, C -, D e E |
16/12/2004 | 18:00h | Curitiba/PR | Misto, C, D, E |
16/12/2004 | 20:00h | Curitiba/PR | Misto, B e C |
17/12/2004 | 16:00h | Rio de Janeiro/RJ | Misto, C, D, E |
17/12/2004 | 19:00h | Rio de Janeiro/RJ | Misto, B, C |
A segunda etapa do estudo está em execução e consiste na entrevista de dez mil pais em todos os Estados brasileiros, durante os meses de janeiro e fevereiro de 2005. Estão sendo entrevistados, pelo menos, 370 famílias em cada Estado. A amostra resultante possibilitará o fornecimento de estimativas com nível de confiança de 95%. Os municípios selecionados para a composição da amostra foram estratificados por tamanho, segundo os critérios de número de domicílios do IBGE.
No total, serão entrevistados pais e mães de aproximadamente 162 cidades do Brasil. Em cada capital de Estado, serão escolhidos endereços de famílias de quatro escolas; nas demais cidades, serão selecionados endereços de três escolas. Aproximadamente, 19 escolas serão pesquisadas por Estado. A escolha das escolas foi feita levando em conta o seu tamanho. A seleção dos entrevistados dentro das escolas foi realizada por amostragem aleatória, proporcional ao número de alunos de cada série do ensino fundamental. Estão sendo entrevistadas, pelo menos, 20 famílias por escola. A elaboração do plano amostral levou em conta as bases de dados do Censo Escolar de 2003. A investigação fornecerá dados com significância estatística para o Brasil e Regiões.
Embora a primeira fase da Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a escola pública na opinião dos pais tenha caráter qualitativo e exploratório, e ainda que tivesse como finalidade específica o levantamento de subsídios para o planejamento da pesquisa quantitativa, a riqueza de dados e informações produzidos autoriza a formulação de algumas conclusões a partir da percepção dos entrevistados sobre o ensino público fundamental brasileiro. Eis algumas dessas conclusões:
· Sobre a qualidade das escolas: enquanto a percepção geral do ensino público fundamental aponta para uma relativa satisfação, a avaliação das escolas em que os filhos estudam tende para o campo negativo. São poucos os aspectos de satisfação, e numerosos os pontos que geram descontentamento.
· Sobre os diretores escolares: são percebidos como fundamentais no funcionamento das escolas. Para os entrevistados, os diretores exercem um papel de importância crescente junto à comunidade de famílias de alunos e, de certa forma, vêm atendendo as expectativas, cada dia mais complexas, em torno de suas responsabilidades. No entanto, existe um anseio pelo exercício de uma maior autoridade, com “pulso firme” e “rigor”. Acreditam que a autoridade escolar está sendo confrontada diariamente e que este fator seria determinante na qualidade da educação oferecida aos filhos.
· Sobre os professores: apesar da importância que atribuem à direção da escola, é o professor que está no centro da atenção dos pais e alunos. É dele a responsabilidade direta pela qualidade do ensino, pela disciplina na sala de aula, pela motivação dos alunos e pelo sucesso ou fracasso escolar. Assim, tanto pode despertar simpatia como antipatia, ou simples indiferença. Em princípio, os professores da rede pública são considerados mais capacitados do que os professores da iniciativa privada, por serem admitidos por meio de concursos públicos. Isso, porém, enquadra-os em uma categoria especial, a dos funcionários públicos. Por sua vez, a categoria é vista como um segmento dotado de proteções e regalias pouco comuns aos profissionais do mercado privado. Seus salários são reconhecidos como insuficientes, ou injustos.
· Sobre as coordenações e orientações: o foco principal do interesse dos pais limita-se, salvo algumas exceções, ao diretor e ao professor. Os participantes tiveram dificuldades em identificar, compreender e avaliar as funções de coordenação e orientação. Nos raros casos em que estas funções surgiram nas discussões, as percepções revelaram pouco conhecimento.
· Sobre outros funcionários escolares: entre os demais funcionários, há que se destacar a merendeira, responsável por um setor de importância estratégica para os pais. A secretária da escola, por sua vez, é pouco reconhecida pelos responsáveis.
· Sobre os filhos: de modo geral, os participantes percebem seus filhos como motivados para o ensino e a freqüência à escola. Essa motivação estaria associada ao relacionamento com os professores. Diante de situações concretas de queda na motivação e no aproveitamento escolar, os pais relatam não saber o que fazer. Alguns chegam a admitir que o problema pode ter sido gerado pela própria escola. Outros alegam a possibilidade de uma falta total de motivação da criança, culpabilizando-a. Para a maioria dos entrevistados, o professor competente e dedicado, contando com o apoio da escola, é capaz de despertar a motivação mesmo em crianças menos “propensas” ao estudo.
· Sobre violência: pela análise das opiniões dos participantes dos grupos focais, fica evidente a sensação de insegurança e a percepção de um aumento de violência, incorporada às escolas da rede pública de ensino, principalmente nas grandes capitais. Esse tema preocupa sobremaneira os pais dos alunos. A opinião de boa parte dos entrevistados está situada entre uma percepção exagerada da violência na escola e a vivência cotidiana de casos reais de violência escolar.
· Clima social e educacional da escola: uma percepção bastante presente na pesquisa vê a escola pública atual como o espaço da indisciplina, da transgressão e da desordem, o espaço em que a autoridade mais se esvaziou na sociedade. “Uma terra de ninguém”, como afirmam alguns entrevistados. E, nessas condições, frustra-se a esperança de que a escola venha a assumir o papel central no processo de socialização, de aprendizado de papéis e normas sociais.
· Desejo por autoridade escolar: os entrevistados desejam a restauração e ampliação da autoridade de diretores, professores e equipes técnicas. Os diretores de melhor avaliação são aqueles que exercitam mais abertamente a sua autoridade e atuam com mais firmeza no combate à indisciplina. Expressões como “pulso forte”, “rigoroso”, “exigente” e “disciplinador” acentuam muito mais o perfil do diretor que aspiram, do que “comunicativo”, “atencioso” e “interessado”.
· Sobre processos de avaliação e promoção: de uma maneira geral, os entrevistados entendem que novos sistemas de avaliação e promoção acarretam um menor empenho de professores e alunos. Para eles, os professores tiveram redução considerável em suas cargas de aulas expositivas e de provas, substituídas por trabalhos em grupos, apresentações, valorização da freqüência, organização dos cadernos e aprovação “automática”. Os alunos, por sua vez, sentem-se menos exigidos, livres de cobranças e aferições rígidas, uma vez que passar de ano tornou-se bem mais fácil.
· Valorização do processo democrático na escola: há uma grande valorização da eleição direta para a direção da escola, mecanismo percebido como a melhor forma de garantir um trabalho produtivo na instituição. Contudo, poucos participam das eleições, e fazem uma espécie de mea-culpa pelo desinteresse. Outros afirmam que, tal como os políticos tradicionais, os candidatos costumam fazer promessas que não cumprem, o que conota uma certa descrença.
· Escola atrativa e motivadora: diversos recursos são sugeridos pelos entrevistados para o combate à indisciplina. A maioria deles gira em torno das idéias de tornar a escola mais atrativa e motivadora, e de aumentar o envolvimento e o tempo de permanência diária dos alunos na escola ou em atividades extraclasse.
· Falta e greve de professores: foi constatada, pelas entrevistas, uma grande insatisfação com os ditos privilégios que permitem aos professores não comparecerem às aulas. Os responsáveis participantes dos grupos focais acreditam que os professores, em geral, têm direito a abonos excessivos, realizam greves sistemáticas, não sofrem punições e tampouco são responsabilizados por suas falhas. As faltas às aulas pelos professores, quando não devidamente substituídas por outras atividades, causam transtornos ao cotidiano das famílias e geram preocupações e insegurança, elemento marcante de julgamento.
· Programas educacionais: os programas de merenda escolar e de distribuição de livros didáticos são bem vistos e capitalizam grande simpatia, salvo exceções. Já o Bolsa Família tem a sua concepção aprovada amplamente, mas a imagem de sua implantação parece fortemente comprometida na opinião pública. Acreditam os pais que haja inúmeras falhas na distribuição dos benefícios e nos controles do programa.
· Sobre as Secretarias de Educação: a impressão dominante nos grupos focais investigados é de que as Secretarias de Educação, sejam estaduais ou municipais, são organismos “omissos” e “apáticos”. A insegurança, a indisciplina, o mau estado de conservação, o crescente abandono do uso do uniforme, as faltas excessivas dos professores, o desrespeito de professores com alunos foram fatores de queda de qualidade debitados à falta de atuação das Secretarias de Educação.
Os resultados preliminares desta primeira fase da pesquisa serão apresentados a seguir, ressaltando que as conclusões definitivas somente estarão disponíveis após a consolidação estatística dos dados obtidos na etapa quantitativa.
RESULTADOS GERAIS
1 – Avaliação da educação
As discussões em todos os dez grupos focais fornecem um painel de muitas particularidades, assentado sobre fortes bases comuns. Os componentes regionais de ordem cultural, econômica ou política têm uma presença marcante nas manifestações dos participantes dos grupos. Mas, simultaneamente, observa-se uma convergência significativa em torno de pontos fundamentais, como nas percepções do ambiente do ensino público, na imagem dos profissionais das escolas, na participação de pais e mães, no papel do governo e em diversos outros aspectos.
De um modo geral, há um grau razoável de satisfação com a educação pública no nível fundamental, especialmente no que diz respeito à amplitude da rede física, às condições de acesso, à facilidade dos meios de obtenção de matrícula, às oportunidades oferecidas e à distribuição de livros didáticos.
Não houve menções expressas à falta de escolas, ou a obstáculos importantes na obtenção de matrícula, salvo em casos isolados. Além da ampla disponibilidade, a gratuidade formal parece também constituir um fundamento de peso considerável nas apreciações do público entrevistado.
“Só não estuda quem não quer.” (Brasília, C/D/E)
“Não precisa enfrentar fila nenhuma pra matricular as crianças nas escolas. A gente pode fazer tudo por telefone, é uma beleza.” (Brasília, C/D/E)
“Eu acho que de 2001 pra trás mais ou menos era zero, eu acho que era zero. E, no meu ver de hoje, acho que o governo exige demais.” (Recife, pai, C/D/E)
“Quando estudei, tive que ralar muito, hoje é moleza, se passa muito fácil.” (Brasília, grupo B - /C +)
“Agora está mais fácil. Agora é possível.” (Recife, pai, C/D/E)
“As escolas dos outros países são melhores porque lá dão mais oportunidades. Eu também queria continuar estudando, mas como...?” (Curitiba, pai, classe C/D/E)
A distinção entre escolas públicas e privadas assinala, provavelmente, o ponto de maior convergência. A melhor qualidade do ensino da iniciativa privada é uma noção firmemente assentada, um fato quase incontestável na visão dos pais.
Os raros depoimentos que tentaram relativizar esta crença não alcançaram grande repercussão, mesmo quando partiam de pais da classe média acossada financeiramente, que seus filhos da escola privada para a escola gratuita.
Na percepção do público da pesquisa, a qualidade superior da instituição privada advém, basicamente, de maiores exigências sobre os professores, que podem ser demitidos, se não atenderem aos requisitos, e o regime de concorrência, que pune as escolas de má qualidade com a perda de alunos. Em contrapartida, no ensino público o professor desfruta de estabilidade e regalias, que acabam desembocando em menor compromisso com a função. As greves, as ausências e faltas de professores causam profunda indignação entre os responsáveis pelos alunos.
A escola particular é também vista como um ambiente mais disciplinado, organizado, seguro e respeitoso, fatores que contribuem para o melhor aproveitamento dos estudantes. As percepções convergem no sentido de que somente a escola privada pode garantir uma preparação adequada para o ingresso no ensino superior.
“Até no ano passado, eu trabalhava em uma escola particular. Nossa, é muito melhor... Até porque as professoras ganham mais também. E também fica todo mundo com gente da mesma idade. Não fica aquela bagunça.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“Assim como o companheiro falou ali, eu também tirei o meu filho da escola particular e coloquei na escola pública. Como ele falou, foi a pior coisa que eu fiz na minha vida. Eu não acreditei quando eu entrei naquele colégio, menina. Neste colégio, jogam papel, xingam... Eu não acreditei.” (Curitiba, pai, B/C)
“Basicamente é o que podemos oferecer para eles – a escola pública- não é tão ruim. Mas eu gostaria de colocá-los em colégios bons.” (Rio, pai, C/D/E)
“A gente não pode mesmo ir pra escola particular porque a gente não tem condições. Tem que deixar lá mesmo.” (Recife, mãe C -, D, E)
“Na escola particular tem acompanhamento psicológico dos alunos. Minha filha estava com problemas e foi encaminhada para a psicóloga. Na escola pública, tem aluno que repete ano 4 ou 5 vezes e ninguém faz nada!” (Belém, masculino)
“Na escola particular tem de tudo – natação, judô –, e todas dão aulas de informática. Nas públicas, só numa ou outra vai encontrar computadores para os alunos.” (Brasília, B/C)
“Até segurança, na escola privada você tem uma segurança melhor. Em termos psicológicos.” (Recife, pai C/D/E)
“No colégio particular tem uma adequação. Eles separam. No colégio estadual eles não separam. Até as professoras, coitadas, apanham dos alunos.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
Quando solicitados a apreciar o nível de qualidade do ensino, numa perspectiva nacional ou regional, as avaliações começam a apresentar uma razoável dispersão, mas o saldo final ainda permanece no campo positivo, embora por escassa margem.
Em Recife, pais e mães divergem fortemente: enquanto o grupo masculino apresenta uma avaliação de regular para boa, reconhecendo investimentos públicos e melhoria na qualidade do ensino, as mães desvalorizam o ensino local em face das melhores condições que percebem no Sudeste e no Sul.
Já em Curitiba e Brasília o saldo é bem mais crítico na avaliação nacional, e mais condescendente com a qualidade do ensino local, apesar da forte influência de aspectos como a insegurança, a rejeição do sistema de aprovação “automática”, a indisciplina dos alunos e a crise de autoridade.
Em Belém prevalece a noção de que o País retrocedeu na educação pública, enquanto o ensino local mantém um nível satisfatório, diante da qualidade que vêem como inferior no Nordeste e da violência nas escolas do Sudeste.
No Rio de Janeiro, os pais/mães convergem na percepção de que a educação sofre um processo de perda de qualidade, mas observam que os resultados do Enem posicionam, favoravelmente, o ensino local, em inferioridade apenas ao do Sul.
“Não adianta você achar que tem um filho rebelde, que vai levar pra escola e ele vai melhorar. Se você não fizer em casa, na escola não espere isso de professor não. O professor não está se preocupando com isso mais não. Se preocupe você com seu filho em termos da educação, do comportamento dele. Dos amigos que ele tiver, você procure saber, mas ensine. No meu pensamento, ensino aqui no Brasil é péssimo, principalmente na área do Nordeste. É horrível. Eu não gosto.” (Recife, mãe C/D/E)
“Com relação aos outros Estados, você vê aí o Enem que é essa prova... Você vê ali a faixa que se encaixa o Rio de Janeiro. Melhorou com relação aos últimos 2 anos, o Rio de Janeiro melhorou, mas não está na frente não. Você tem aí muitos Estados com ensino muito melhor que o Rio. No Rio Grande do Sul o ensino é bom.” (Rio, pai, B/C)
“Não acredito que a educação aqui esteja melhor do que no Rio.” (Brasília, B/C)
“Com certeza Brasília está melhor do que Norte e Nordeste, isso eu posso garantir.” (Brasília, B/C+)
“Se a gente for pensar em relação ao Nordeste, estamos bem acima, aqui tem mais investimento.” (Belém, masculino)
As maiores divergências – e insatisfações – surgem na consideração da qualidade específica das escolas de seus filhos; as escolas que conhecem de fato. Aqui os critérios se multiplicam, os fatores extra-escola e extra-ensino passam a influir de forma determinante, e as avaliações negativas se sobrepõem às positivas.
Os panos de fundo da disponibilidade e da gratuidade agora cedem espaço a novas e importantes variáveis, como a sensação generalizada de insegurança, de crise da autoridade escolar, de pouco compromisso dos professores, de desaparelhamento da escola, de comportamentos desregrados dos alunos, de distanciamento e inépcia dos governos e das secretarias de educação.
A comparação entre escolas municipais e estaduais não produziu resultados significativos. De um modo geral, o público tende a ver o governo municipal como um administrador mais eficiente, uma instância mais próxima e acessível. No entanto, as escolas estaduais são reconhecidas como bem equipadas e, em alguns casos, como dotadas de melhor infra-estrutura, qualidade no ensino e programas de atividades variadas.
Enquanto em Curitiba há uma firme noção de que a escola municipal é melhor, em Recife a escola estadual é a mais valorizada. No Rio de Janeiro, a presença de escolas estaduais e federais de excelência funciona como referência de ensino de boa qualidade, embora o segmento mais pobre tenha dificuldade em distinguir as instâncias.
Em Belém, as escolas do interior do Estado, que contam com a parceria de grandes empresas privadas, tornaram-se o referencial de ensino de boa qualidade.
“Agora inauguraram uma vila olímpica e só pode ir quem estuda na escola municipal. Os que estudam na escola estadual não podem.” (Rio, pai, B/C)
“É bem melhor administrado tudo no Município, é hospital, escola” (Rio, mãe, B/C)
“Eu acho que o ensino público não é tão precário assim, tem bons profissionais, ainda encontra pessoas boas. Os melhores estão no colégio do Estado... A obrigação do Estado é dar condições... Esse negócio que é melhor que do Estado eu acho que isso é um pouco falta de informação, porque o colégio particular passa para os alunos acho que o do Estado também passa. É só uma questão de ambiente e sofisticação. Pessoas de mais classe.” (Recife, pai, C/D/E)
“Eu moro por aqui, mas matriculei minha filha em uma escola fora do Pólo, que eu sabia que era melhor. Eu tenho uma comadre que mora nesse Pólo da escola que eu queria e peguei a conta de luz dela. O diretor não queria aceitar, mas eu consegui porque eu namorava um militar e ele interferiu.” (Belém, feminino)
Os programas de tipo Bolsa Escola despertam grande interesse nos segmentos mais carentes. Em praticamente todos os grupos havia beneficiários e pessoas aguardando a concessão do benefício. A popularidade do programa, entretanto, surge acompanhada de críticas relativas à falta de fiscalização, “uso político, fraudes e corrupção”, mesmo entre seus beneficiários.
Em todas as capitais, algum outro programa foi mencionado, além do federal. Os entrevistados em Brasília dão grande destaque aos programas que beneficiam alunos de famílias carentes, matriculados na rede pública de ensino fundamental. Alguns participantes das classes C -/ D/ E são beneficiários e valorizam este tipo de apoio, assim como os demais integrantes destes segmentos.
Os pais e mães de classes B /C+ tendem a ser mais críticos, classificando programas deste gênero como assistencialismo indevido. Em geral, consideram que os recursos dotados para esses projetos seriam mais produtivos se diretamente aplicados nas escolas. Apenas uma minoria de participantes destes segmentos reconhece que o programa é uma forma de constranger as famílias a cobrar a freqüência regular de seus filhos à escola.
Ainda em Brasília, os entrevistados demonstram satisfação com a implantação do programa que informa os pais sobre os acontecimentos da escola; com a integração das escolas com a rede pública de assistência à saúde; com o programa de combate ao uso de drogas e com os diversos projetos de iniciação técnico-profissional.
“Eu acho que teve concurso. Vêm na cabeça da gente vários projetos, mas a gente não sabe se está associado ou não à Secretaria de Educação.” (Rio, mãe, B/C)
“Eu tenho família em São Paulo, na Bahia também. E de lá também eu acho assim um nível tanto de estudo. Eles obtêm mais coisas gratuitas do governo. Quando minha irmã diz assim: não tá recebendo ainda aí? Eu já recebi e bem mais. Alimentação a gente não vê quase nada. A minha irmã também recebe financeira mesmo, de dinheiro. (Recife, mãe, C/D/E)
“Uma bênção. Uma coisa boa. Eles inventaram numa hora boa. A gente que não trabalha depende do marido. A gente pede dinheiro e o marido fecha a mão. E a gente recebendo esse dinheiro todo mês. Só que tem que comprar as coisas das crianças. O dinheiro é pra livro, caderno. A roupa deles. Essas coisas. Aí tira o deles e o resto pode... Eu acho que também se não tiver o pai trabalhando. No meu caso, o meu marido ficou parado 2 meses. Esse dinheiro foi pra dentro da minha casa. Pra ele mesmo. E ai de mim se não fosse esse dinheiro da Bolsa Escola.” (Recife, mãe, C/D/E)
“Este projeto é uma bagunça, quem precisa receber não recebe. Tem gente que tem casa e carro e está recebendo.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“Totalmente falho, não tem controle.” (Curitiba, pai, B/C)
Em princípio, a Secretaria de Educação, seja municipal ou estadual, permanece como um organismo praticamente desconhecido. Quando estimulados a falar sobre o poder público educacional, os participantes mostram-se firmes na crítica à omissão de suas funções. Para eles, há falta de fiscalização das escolas, dos diretores e dos professores. Responsabilizam a secretarias de educação pela falta de segurança, pela instabilidade no fornecimento de merenda, pela ausência de controle no acesso às escolas, pelo não comparecimento de professores e pelo crescente e “perigoso” abandono do uso de uniforme pelos alunos.
Para os participantes dos grupos, não existe uma padronização de métodos de avaliação, de infra-estrutura e de projeto arquitetônico nas redes públicas, o que pressiona os custos de conservação e reduz a produtividade do sistema.
2- Avaliação das escolas
Enquanto a percepção geral do ensino público fundamental aponta para uma relativa satisfação, a avaliação das escolas em que os filhos estudam tende, decididamente, para o campo negativo. São poucos os aspectos de satisfação, e numerosos os pontos que geram descontentamento.
Os segmentos mais pobres da população pesquisada, normalmente moradora em áreas de grande carência, são os que contam com o pior atendimento escolar. Seus filhos estão matriculados, geralmente, em escolas simples, pequenas, desprovidas de infra-estrutura e oferecendo exclusivamente o ensino formal, ao passo que as classes C superior e B inferior, residentes em áreas mais tipicamente de classe média, desfrutam de escolas com boa qualidade de ensino e dotadas de infra-estrutura. A grande maioria em ambos os segmentos, porém, manifesta incisivamente o descontentamento com as condições de ensino nas escolas de seus filhos.
Os aspectos avaliados de maneira mais favorável são a distribuição de livros didáticos, o fornecimento da merenda, o relacionamento de pais e mães com professores e diretores (especialmente estes últimos) e as atividades extraclasse, quando oferecidas. Porém, mesmo aqui surgem exceções à regra.
Em Belém, a merenda é amplamente reprovada, vista como de péssima qualidade, e o seu gerenciamento chega a despertar suspeitas. Os pais reclamam também do alto custo do material escolar, dos uniformes e dos livros indicados, de preços elevados. Por outro lado, existe satisfação com a disponibilidade de vagas, com a dedicação de professores de algumas escolas, com os projetos culturais, com a reunião de entrega de boletins e com o sistema de eleição de diretores das escolas.
Os pais e mães de Curitiba, mais conscientes do dever do Estado de oferecer ensino de boa qualidade, formam, juntamente com Brasília, os segmentos mais críticos da rede pública de educação, nesta pesquisa. Em Curitiba, os poucos aspectos relatados de maneira positiva são a merenda, a integração com a rede de saúde para assistência aos alunos e outros programas. Houve relatos de problemas de falta de livros em escolas estaduais e de atraso na sua distribuição em escolas municipais.
Em Brasília, além da merenda, criticada pela baixa qualidade e pelo cardápio repetitivo, alguns pais e mães de classes B- /C+ mostram-se incomodados com a atuação de professores que estariam fazendo pregação religiosa nas salas de aula.
Em Recife, os entrevistados destacam, positivamente, os livros, a merenda escolar, o relacionamento com diretores e professores, a qualidade do ensino e o investimento governamental no setor.
No Rio de Janeiro, além dos livros, da merenda e do relacionamento com diretores e professores, os pais e mães valorizam as atividades extraclasse oferecidas em algumas escolas de melhor estrutura.
“Na escola do meu filho não tem nada, só umas festinhas. Se quiser ter alguma coisa, tem que pagar um curso.” (Belém, masculino)
“Eu queria que tivesse aulas de teatro, para meu filho se desembaraçar na hora de apresentar os trabalhos.” (Belém, feminino)
“A escola do meu filho oferece de um tudo: oftalmologista, até otorrino, se acham que a criança está com problema de audição.” (Belém, feminino)
“De ruim na escola do meu filho, a única coisa que falta para os meninos lá é uma cancha. Tem um espaço com cimento lá para eles brincarem, mas podia ser melhor. Acho que é a única coisa.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“A minha também tem os livros completos. Quando quer ler, vai lá e pega o livro. O colégio é ótimo. Não tenho o que dizer.” (Recife, mãe, C/D/E).
“É cheirosa e você vê que é bem feitinha. Você chega na porta da escola de manhã e já sente o cheirinho. Eles já estão preparando. Tem criança que sai 11h30 da sala de aula para ir para a fila do almoço. O almoço começa lá meio-dia.” (Rio, mãe, B/C).
“As crianças falam: Hoje estava gostoso, tinha macarronada. Outro dia tem sucrilhos. E lá é tudo limpinho.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“Café pela manhã, almoço, não sei se tem lanche, mas a janta sempre tem. Eu vou ser sincera: o almoço na escola é muito bom. Faz uma economia tão grande pra gente.” (Rio, mãe, C/D/E)
“A merenda também é muito boa. Uma vez que eu fui lá e eu provei tinha risoto. Ele gosta muito da merenda, e isso é uma maneira dele gostar de ir para a aula, não é? Cada dia uma surpresa.” (Curitiba, pai, B/C)
“A nossa escola é completa. Nós temos esportes, nós temos a biblioteca e até outras escolas vão até lá.” (Rio, mãe, C/D/E)
A forte sensação de insegurança vivenciada hoje na sociedade ganha conteúdo, especialmente dramático junto aos pais e mães de crianças e adolescentes, quando avaliam as escolas de seus filhos. Alimentada por noticiário sensacionalista, por boatos e também por ocorrências concretas, a insegurança crescente causa grande preocupação e leva os pais e mães a exigir medidas de diversos calibres para estancar o que caracterizam como uma “onda de violência” nas escolas.
As medidas sugeridas pelos entrevistados são: um maior distanciamento físico na convivência de faixas etárias distintas, a instalação de câmeras de vigilância, controle do acesso, maior rigor na exigência de uniforme, a implantação de policiamento especial nas cercanias e no próprio interior das escolas.
A sensação de insegurança, largamente disseminada, preside as percepções dos pais e mães mais pobres na avaliação das escolas em Curitiba, Recife e Belém. Surpreendentemente, o Rio de Janeiro, - estigmatizado nas outras capitais (juntamente com São Paulo) como o palco principal da violência no País (“todo dia matam um numa sala de aula no Rio”), - é a cidade em que a preocupação com a insegurança teve menor proeminência na avaliação dos responsáveis.
“Eu tirei minha filha do colégio. Ela ligava pro meu serviço: mamãe tem uma aqui me encarando. Querendo me pegar. Negócio de briga. Facção.” (Rio, mãe, C/D/E).
“Em colégio público, você vê tá vendendo droga. Está tendo prostituição na frente. Enquanto que a particular é difícil ver alguém na porta fazendo qualquer abuso.” (Recife, pai, C/D/E).
“A professora mandou a gente ficar de olho nos nossos filhos, porque o pessoal está oferecendo droga mesmo. Mas como é que eu vou ficar de olho se eu trabalho o dia inteiro?” (Belém, feminino)
“Eu não tenho muito do que reclamar, porque em São Paulo e no Rio, matam os alunos até dentro de sala. Aqui isso é difícil de acontecer.” (Belém, feminino)
“Em São Paulo e no Rio a gente fica sabendo pela televisão, só vê coisa ruim.” (Belém, feminino)
“Eu tenho queixa do colégio estadual que o meu filho estudava e que saiu, parou de estudar na sexta série. A falta de segurança... E o meu filho não é de brigar, ele é calmo... Mas ele não tem sangue de barata, não é? É muita piazada de rua que a mãe e o pai não estão nem aí. Em um colégio perto da minha casa, a menina bateu na professora... Ele vai e você não sabe se ele vai voltar. E ele não está estudando. Ele não é da turma maloquerinha. Eu acho que ele parou de estudar porque ficou com medo.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“Antes tinha um policial em cada escola, depois sumiram, só de vez em quando aparece um. Tem que ficar lá direto!” (Belém, feminino)
“Numa reunião, a diretora mesmo disse que eles não têm como controlar as brigas dos maiores contra os menores. Tentam, mas não conseguem. Tinha que ter polícia lá dentro, direto.” (Belém, masculino)
Em Curitiba, Brasília e Belém, os pais e mães (particularmente no segmento médio) demonstraram no mínimo estranheza, quando não uma rejeição frontal em face dos novos métodos de ensino e avaliação dos alunos.
Entendem que o novo sistema acarreta um menor empenho, tanto de professores como de alunos. Para eles, os professores tiveram redução considerável em suas cargas de aulas expositivas e de provas, substituídas por trabalhos em grupos, apresentações, valorização da freqüência, organização dos cadernos e aprovação “automática”. Os alunos, por sua vez, sentem-se menos exigidos, livres de cobranças e aferições mais rígidas, uma vez que passar de ano tornou-se bem mais fácil.
A falta de comunicação adequada leva ao desconhecimento dos objetivos e fundamentos da nova sistemática. Diante disto, alguns pais e mães passam a interpretar a novidade como destinada, essencialmente, a “engordar” as estatísticas do setor de educação, sobretudo as taxas de alfabetização.
“Antigamente, o professor ocupava todo o tempo do aluno, colocava os meninos para estudarem. Não tinha essa história de fazer trabalho, não. Nesses trabalhos eles só copiam, não pensam. Antigamente, o aluno aprendia mesmo, para sempre. Hoje, o aluno consegue a nota fácil, mas não aprendeu nada.” (Belém, feminino)
“Fico chocado cada vez que mando meu filho estudar para as provas e ele me responde que não precisa, que já fez as contas dos pontos que tem com os trabalhos. Diz que só precisa tirar 3 na prova, então nem estuda. Isso está errado.” (Brasília, B/C)
“Outro ponto fraco é esta coisa de ter que passar, ter que passar e pronto. Eu tenho um cunhado que está na sétima série e eu perguntei a ele ontem quanto era 8 X 8, ele não soube responder. 7 X 5, ele não soube responder. Não pode. A educação está muito ruim.” (Curitiba, pai, B/C)
“Na minha época, se ganhava 0,5 por freqüência, 0,5 por trabalho. Agora ganham de cara 5 pontos por freqüência!” (Belém, masculino)
“O menino não sabe nem ler nem escrever, já passa pra 5a, 6ª séries.” (Recife, pai, C/D/E)
3. Avaliação da equipe técnico-pedagógica
3.1. Diretores
De um modo geral, os participantes valorizam, acentuadamente, o papel do diretor, visto como o responsável direto pela qualidade do ensino da escola. Na grande maioria dos casos observados na pesquisa, há uma grande confiança dos entrevistados nos diretores, e estes são determinantes na satisfação dos pais com a escola.
Além de suas funções mais formais - como a administração geral da escola, o controle sobre professores e a qualidade do ensino, a prestação de contas à comunidade e às autoridades - o diretor incorpora, atualmente, funções de uma espécie de autoridade social, uma instância mais próxima para a orientação e solução de problemas da família e dos alunos. Neste sentido, para muitos, ele é o protetor da ordem e da moral.
As expectativas quanto a esta última função têm um peso considerável na aprovação dos diretores, sobretudo pelos pais e mães mais pobres. Aparentemente, quanto mais firmeza eles demonstram na administração da impulsividade dos adolescentes e na manutenção da disciplina, mais intensa é a sua aprovação pelos responsáveis. Quando associam a esta firmeza uma atenção cuidadosa, compreensão e respeito pelo aluno, ganham a forte admiração dos pais e mães mais zelosos.
Contudo, nem todos os diretores recebem o voto de aprovação dos pais e mães. Em Belém, alguns participantes reclamam de uma omissão total da direção da escola na busca de solução para os problemas; outros apontam o favorecimento de parentes dos diretores no preenchimento de cargos na escola.
“Bom é o diretor, que cuida bem das crianças. Ele sabe tratar, ele sabe resolver. Na outra escola, o diretor ia com ignorância.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“A minha diretora faz mais. Ela sai pra rua. Na semana passada eu fui com ela. Nós fomos separar um casalzinho de adolescentes que estava na rua namorando. Ela foi lá separar os dois. Ligou para os pais dos dois pra vir apanhá-los. Eu achei isso muito importante. Porque estava na rua. E ela saiu na rua pra fazer isso.” (Rio, mãe, C/D/E)
“Eu até já tive problemas com professores, mas a diretora sempre foi maravilhosa.” (Brasília, C-/D/E)
“Aqui a gente tem o professor ‘fundo de quintal,’ que é parente da diretora. É contratado como temporário e tira o lugar dos professores de verdade. Aqui em Belém tem isso. Não funciona.” (Belém, masculino)
“A diretora lá tem mão forte, controla tudo, a escola funciona por causa disso. Ela está sempre de olho.” (Belém, feminino)
“Eu sei que eu não gosto. Eu gosto de ver assim, a menos ruim é a que faz o primário. A diretora é atenciosa. É a menos ruim. Não é que eu ache boa.” (Recife, mãe, C/D/E)”.
“As diretoras dizem muito sobre com quem as crianças andam, quem fica até mais tarde”. (Rio, mãe, solteira, 2 filhos, C/D/E)
“O governo deveria fiscalizar mais as escolas. Ele até faz visitas, mas avisa antes. O que é que acontece? A diretora manda todo mundo comparecer, limpa a escola, os alunos vão todos de uniforme. Parece que não tem nenhum problema. As visitas tinham que ser de surpresa, aí eles iam ver a realidade.” (Belém, masculino)
“Uma vez eu vi a diretora colocando as crianças todas para dentro da escola. Vocês vão ficar de conversa fiada? Quem não tiver o que fazer vai para casa e deixa as outras entrarem. Porque as alunas que saem mais cedo pela manhã puxavam as outras para faltar à aula...”. (Rio, mãe, C/D/E)
“Um dos pontos bons é a diretora. Ela visita todas as salas, ela não fica só na secretaria, sabe? A gente vai à reunião, ela está em várias salas, ela se envolve bastante com o colégio. E este coral que eles formaram no colégio. Isso eu achei ótimo, achei um incentivo enorme. Eles têm um compromisso com lazer. Outra coisa boa é que não deixam entrar sem uniforme. E tem bastante inspetores nos pátios, sempre tem um gritando: Não faz isso.” (Curitiba, mãe, B/C)
3.2. Professores
Os participantes da pesquisa, em vários momentos, parecem dirigir as percepções numa direção, demonstrando apreço e reconhecimento, para, em seguida, tomar o caminho da reprovação e rejeição.
Em Brasília, além das faltas, abonos e greves, os participantes mencionam precariedade da formação dos professores, atitudes desrespeitosas com alunos, falta de controle sobre a turma e dificuldade de acesso aos professores.
Em Belém, alguns participantes queixam-se do novo método de avaliação, que, segundo eles, permite que o professor crie tarefas com o intuito de aliviar o seu trabalho.
No Rio de Janeiro, os depoimentos de algumas mães apontam uma diferença no empenho dos professores. À primeira vista, existiria uma clivagem no relacionamento professor-aluno: a partir da quinta série, o(a) professor(a) mudaria acentuadamente as suas atitudes, colocando uma distância maior e reduzindo sua atenção, seu empenho e mesmo o respeito ao aluno.
“Falta educação aos professores, tive problema com um deles, que dava apelidos às alunas, chamava-as de ‘gordas’, ‘cabelo não-sei-o-que’. Minha filha é forte e ele debochou dela. Mandou-a para fora de sala e foi na diretoria com ela. Fiquei uma arara.” (Belém, masculino)
“Tudo é motivo para abono, tudo! Como faltam!” (Belém, feminino)
“Eu tive que ir outras três vezes para reclamar desta professora de português. Ela chegava a humilhar as crianças na escola. Ela escrevia nos cadernos: Você não foi suficientemente inteligente para terminar este trabalho. E falava em alto e bom tom para todo mundo. Quer envergonhar o aluno. Isso não se deve fazer. Ela deve incentivar.” (Curitiba, pai, B/C)
“Coisas ruins no colégio do meu filho? A professora de inglês foi operada no início do ano e os alunos ficaram o ano todo sem aula.” (Curitiba, pai, B/C)
“Falta de punição. Ele deveria ser punido quando faltasse.” (Recife, pai, C/D/E).
“Tem professor que vê que o aluno não quer nada, ele não quer investir mais nele.” (Recife, mãe, C/D/E)
“Na minha opinião os que não se interessam é por causa dos alunos.” (Recife, mãe, C/D/E)
“No colégio da minha filha, eles dão o remédio certinho para ela quando precisa e eu acho que isso fez a gente se apegar com as professoras.” (Rio, mãe, B/C)
“Tem uma professora que chama o aluno de burro. Ela não tem esse direito. Eu não admito que um professor faça isso com um aluno.” (Rio, mãe, B/C)
“De dez professores, sete são preocupados, no primário. Agora no ginásio, nem um pouquinho de preocupação. Se o aluno está bem, para eles está ótimo, e se estiver ruim eles não querem nem saber de nada.” (Rio, mãe, B/C)
“A professora não conhece o aluno. Ela chega numa sala de aula, joga uma matéria e não está nem aí, ela não se preocupa. Ela disse que são tantos alunos, mas se ela entrou ali, se ela optou, ela tem que observar e saber quem é quem. Já que ela não tem condição de pegar uma turma assim, ela não pegue.” (Rio, mãe, B/C)
“Toda vez que eu vou na escola, vejo professores batendo papo na porta da sala, todos largados, enquanto os alunos ficam só lendo o livro. Eles não querem nada.” (Belém, feminino)
“Já fui à escola dos meus filhos pedir para passarem mais deveres de casa. Sabe o que me responderam? Que tem que ser pouquinho, porque se não força muito a criança” (Belém, masculino)
3.3. Coordenação e orientação
Em Brasília, o segmento de classes C -, D e E demonstrou maior familiaridade e satisfação com as duas funções. Aparentemente, há contatos freqüentes com as coordenadoras e orientadoras.
Alguns pais e mães, em Belém, destacaram a importância do acompanhamento da performance dos alunos ao longo dos anos de estudo, pela coordenação. Creditam também à coordenação a responsabilidade pelo relacionamento entre a escola, os professores, os alunos e as famílias. Entretanto, no geral, esses profissionais e funções têm pouca visibilidade entre os pais.
“Fui avisada somente no fim do ano que minha filha estava mal na escola e que iria repetir o ano. O que é que eu poderia fazer a essa altura? Por que não me chamaram antes?” (Belém, feminino)
“Fui avisada pela coordenadora que meu filho estava cheirando cola, que estava andando com uma gangue. Ela mandou a gente ficar de olho, não podem controlar tudo. Agradeço a ela por ter me avisado. Agora botei meu filho para trabalhar durante o dia, pois ficava à toa, só estudava no turno da noite.” (Belém, feminino)
“É a coordenadora que encaminha para os tratamentos de saúde; é a orientadora que conversa sobre o comportamento dos nossos filhos. Uma vez fui chamada porque meu filho faltava muito. Resolvi segui-lo, porque ele sempre saía para a escola. Elas estavam certas, o moleque saía de casa e ficava vagabundeando na rua. Se não fosse o aviso delas, eu não iria descobrir nunca.” (Brasília, mãe, C/D/E)
“A coordenadora está sempre disponível. Eu é que muitas vezes acabo não podendo ir à escola.” (Brasília, mãe, C/D/E)
“Eu e minha mulher nos separamos, os meninos foram morar com a mãe, ficaram perdidos e tristes. O meu mais velho repetiu de ano duas vezes e a escola disse que ele não poderia continuar lá, foi expulso. Mas foi para outra escola e recebe atendimento especial, é acompanhado pelo Conselho Tutelar.” (Brasília, C/D/E)
“Meu filho é atendido pela professora e por uma psicóloga.” (Brasília, C/D/E)
“Minha filha estava com problemas, repetiu de ano, eu fui chamada e me indicaram uma psicóloga. Ela está tendo esse acompanhamento e eu também.” (Brasília, C/D/E)
3.4. Outros funcionários
Em algumas cidades, como no Rio de Janeiro e em Curitiba, onde a merenda é apreciada pela qualidade, variedade e economia que proporciona às famílias, a merendeira é reconhecida e desperta grande simpatia.
O contato com secretária da escola geralmente ocorre quando surge a necessidade de determinado documento escolar. O atendimento é descrito como simpático e prestativo. Mas há certo descontentamento com os prazos solicitados para a entrega. Novamente, esses profissionais e funções têm pouca visibilidade.
“A minha filha fala que a merendeira da escola dela, que por sinal eu conheço, não obriga a comer quando ela não quer, e dá mais comida quando ela quer repetir. Ela fala muito bem da merendeira.” (Rio, mãe, B/C)
“A figura mais popular na escola é a merendeira. Eu moro em um condomínio que tem duas escolas públicas dentro do condomínio e quando as merendeiras passam todo mundo sabe...” (Rio, mãe, B/C)
“Eles (os funcionários da secretaria) atendem a gente com um pouco de má vontade e vão logo dizendo para voltar dali a 15 ou 20 dias.” (Brasília, pai, B/C)
“Se a gente precisa de alguma coisa com urgência, tem que pedir muito, com muito jeitinho. Às vezes a gente consegue até para o dia seguinte, mas, em geral, demora muito.” (Brasília, mãe, C/D/E)
4. Avaliação dos filhos como alunos
Ao enfatizar o papel do professor e da escola na motivação da criança, os pais e mães procuram aliviar-se de suas responsabilidades na educação do filho, e num possível e temido fracasso. Reações como estas podem estar encobrindo falta de motivação dos pais, resignação diante de um sistema de ensino diferente do que experimentaram, ou simplesmente acomodação.
Por outro lado, há o reconhecimento da importância de um relacionamento mais estreito entre família e escola, necessário para superar as dificuldades dos alunos e das famílias. Contudo, quando isto significa uma maior presença dos pais na escola, uma parcela razoável se protege com a incompatibilidade de horários e compromissos.
Alguns depoimentos nas classes mais pobres, em que há duas ou mais crianças na família estudando, é freqüente o surgimento de comparações de motivação, rendimento escolar e aptidão para a aprendizagem. Destas comparações resulta, em muitos casos, uma criança ou adolescente sentenciada como “menos dotada para os estudos”. A baixa tolerância com o rendimento inferior, ou mesmo o médio, acaba manifestando um processo de desvalorização da criança, com reflexos danosos na motivação dos pais, na auto-estima do aluno e no seu desempenho futuro.
Dos depoimentos levantados em Brasília, pode-se depreender que a escola local mantém-se atenta e lança mão dos recursos adequados para lidar com os problemas de falta de motivação e baixo aproveitamento. Há vários relatos a respeito, em que os alunos são encaminhados para o devido acompanhamento terapêutico na rede pública. Nas outras regiões pesquisadas não se colheu declarações que as aproximem de um quadro como o revelado em Brasília.
“O problema não era a escola, era ele, um tremendo malandro. Matou aula um semestre inteiro e eu achando que ele estava lá.” (Brasília, B/C)
5. Relacionamento com a escola
Embora seja praticamente unânime a noção de que é necessária uma maior integração com a escola, e de que esta integração requer uma presença mais freqüente dos pais, os depoimentos colhidos mostram uma realidade distante do quadro almejado.
As indicações da pesquisa são de que a presença dos pais e mães na escola parece declinar à medida que o aluno vai vencendo as séries iniciais do ensino fundamental e alcançando a pré-adolescência. Na adolescência, os contatos tendem a se restringir a eventualidades, algumas vezes indesejáveis.
Certamente existem exceções a esta formulação, como as encontradas pela pesquisa no Rio de Janeiro. Enquanto a maioria dos responsáveis aponta o trabalho como o principal obstáculo a uma maior participação na vida escolar dos filhos, algumas mães pobres, trabalhando fora como faxineiras e domésticas, e de famílias partidas, dão exemplo de superação das dificuldades, participando ativamente da solução de problemas do cotidiano da escola e acompanhando de perto a aprendizagem dos filhos.
Um chamado imprevisto para o comparecimento à escola desperta fortes apreensões entre os pais e mães. De imediato, surge a maior probabilidade do chamado estar relacionado a problemas disciplinares de alguma gravidade, ou de baixo rendimento, ou, ainda, de alguma deficiência. De todo modo, trata-se de um fato consumado. Na realidade, porém, os relatos dos pais pouco mencionam o baixo rendimento como razão do chamado.
Há críticas isoladas dos pais sobre a prática das reuniões gerais de uma determinada escola ser realizada na presença – obrigatória – dos filhos. Não vêem sentido nessa medida – ao contrário, dizem sentir-se tolhidos para discutir com a equipe os problemas da criança na presença dela.
“Eu acho que só duas reuniões gerais por ano é muito pouco.” (Brasília, B/C)
“Quando acontece alguma coisa de criança, como ele passar a mão na bundinha da menina, a diretora sempre me chama.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“Os pais devem participar, não ir apenas quando são chamados, estar sempre em contato com a diretora e a professora. Neste colégio da minha filha eu tenho contato direto com elas. Eu sei que é o governo que deveria controlar, mas se o governo não faz, eu acho que a gente deve contribuir, porque a gente é que ganha com isso, são os nossos filhos. Eu sou uma mãe muito presente no colégio. Porque em colégio rola muita droga, graças a Deus, comigo nunca aconteceu, mas com filhas de amigas já aconteceu.” (Curitiba, mãe, B/C)
“Eu fui chamado porque o meu menino saiu da sala dele e foi pra outra. Chegou lá, pegou outro aluno, ele caiu pra trás.” (Brasília, C/D/E)
“Só do menino, que a professora chama e diz que ele é preguiçoso, fica dormindo, só isso.” (Brasília, B/C)
“Esse ano foi pra organização de festa.” (Brasília, C/D/E)
“Está incluindo tudo a reunião... Fala o que vai fazer, as mudanças que vai ter, precisa botar segurança, a gente diz sim, assina.” (Brasília, C/D/E)
“Eu sou uma que freqüento muito a escola das minhas filhas. Eu tenho contato com professores, diretor. Mesmo que não queira falar comigo, eu entro na escola para falar porque se a gente não for até ele, ele não te chama para conversar. A escola não te chama, a direção. Marcam uma reunião de 3 em 3 meses para falar com os pais. Eu não. Eu praticamente, diariamente eu estou dentro da escola procurando saber o que está acontecendo tanto com a minha que está no segundo grau quanto a minha que está no primário, para não deixar passar isso em branco. Para eu ter oportunidade para quando chegar numa reunião eu ter a oportunidade de falar porque eu estou vendo ali. Se você não meter a cara, participar daquilo ali, você nunca vai saber o que esta acontecendo dentro da escola e dentro da sala de aula.” (Rio, mãe, B/C)
“Eu faço parte de uma associação de pais e vivo praticamente dentro da escola.” (Rio, mãe, B/C)
“Eu tenho o costume de dar o flagrante. Eu sempre que posso, e por sorte às vezes o meu trabalho facilita porque eu não tenho horário. Eu sou profissional liberal então tenho essa facilidade. Eu sempre que posso estou atrás do poste escondido olhando o que eles estão fazendo.” (Rio, pai, B/C)
“O MEC determina o programa de ensino, não é isso? Ele determina um programa de ensino. Então teria que ter esse acompanhamento desse programa de ensino. Você sabendo isso, você poderia cobrar isso da escola para poder a escola ter um programa de ensino bom.” (Rio, mãe B/C)
6. Expectativas quanto ao futuro dos filhos
A grande aspiração da família brasileira, em todos os seus estratos, permanece firme na imaginação dos participantes dos grupos: ver os filhos ingressando na universidade pública e graduando-se, preferencialmente, numa área que lhes assegure o tratamento de doutor.
A realidade, porém, impõe obstáculos de difícil superação, na opinião dos pais. Embora considerem aceitável a qualidade do ensino público médio e fundamental, estão conscientes de que esta qualidade é insuficiente para assegurar o sucesso na caminhada. A predominância do ensino público na capacitação dos vestibulandos bem-sucedidos faz parte do passado.
São também conscientes da vigência de uma sentença hedionda: “universidade pública não é para pobres”. A rede privada é hoje a única que capacita para o vestibular, e ela cobra caro pelos seus serviços.
A proximidade da conclusão do ensino médio só faz aumentar a angústia, que, neste momento, exige a definição de um caminho - é quando o ensino público cobra a sua conta. Sem condições financeiras para o ingresso na universidade, seja pública ou privada, o estudante volta-se para o limitado campo da formação técnico-profissional. Em linhas gerais, este é o processo que origina a velha demanda das camadas mais pobres, e que se faz presente nas percepções aqui levantadas: o ensino público fundamental e médio precisa cultivar, orientar e estimular vocações profissionais, sem prejuízo de seus fundamentos.
Diante deste quadro, não se deve estranhar a atitude reticente de uma razoável parcela dos pais e mães participantes da pesquisa em relação a uma esperada condenação do trabalho infantil convivendo com os estudos. Na apreciação de casos concretos trazidos à discussão, os participantes se dividiram em variadas gradações de aceitação e “compreensão”, sem nenhuma condenação explícita ao trabalho infantil.
O trabalho não é visto, por muitos deles, como um empecilho para o sucesso no estudo. Acreditam que o trabalho ajuda o crescimento e o amadurecimento dos jovens e adolescentes.
“Por exemplo, o sonho do Murilo é entrar na faculdade. Vamos dizer, vamos que ele estude, faça um cursinho e passe. Vou ter que dizer: Você não vai fazer a faculdade porque eu não tenho condições de pagar.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“Mas a gente tem que incentivar. A minha filha quer fazer Educação Física. Eu falo: Vai em frente. Ela já está estudando, trabalhando e juntando um dinheirinho. Eu vou me esforçar para ela conseguir.” (Curitiba, mãe, C/D/E)
“Para você ter uma base, vai à Federal, vê lá se tem aluno que passou tendo estudado apenas em escola estadual? Não tem. Só aluno que estudou em escola particular, que o pai pagou. Depois que entra na Federal, o pai fica sossegado. Agora não precisa mais pagar, vai compensar o investimento.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“Você acha que estudando em escola pública eles vão conseguir entrar na UnB? Lá só entra aluno de escola particular.” (Brasília, B/C)
“É como eles falaram. Até o segundo grau está garantido, o problema é depois. Por isso, que eu já estou juntando dinheiro para eles. Isso é, de fato, a principal preocupação.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“Se o colégio oferecesse um curso técnico, você já sai com uma profissão. Então você já pode trabalhar para estudar.” (Curitiba, pai, C/D/E)
“O estudo pra mim vai ser a alegria. Mas nos dias de hoje, mesmo com o estudo completo, mas pra emprego não serve.” (Recife, pai, C/D/E)
“Terminar a faculdade. Eu quero ver meus filhos formados.” (Recife, pai, C/D/E)
“Até ele se formar no trabalho dele. Na profissão. Não é formar e ficar aí com o diploma na rua só.” (Recife, pai, C/D/E)
“Eu acho melhor fazer faculdade.” (Recife, mãe, C/D/E)
Retirado do site : vwvw.inep.gov.br/download/imprensa/2005/.../relatorio_qualidade.doc
Um comentário:
A família e a escola estão muito relacionadas porque tem que ver sempre com a educação. Uma é informal e a outra formal, mas sempre se está ensinando algo.
Uma vez ouvi que um pai era o professor de alguém que estudava oftalmologia no rio de janeiro, mas isso geralmente não acontece...
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