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30 de abril de 2010

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Voltando à síndrome do manual PDF Imprimir E-mail
Escrito por Wladimir Pomar   
28-Abr-2010
 
A síndrome do manual está ligada a uma velha tradição da intelectualidade brasileira, tanto de esquerda quanto de direita. Ao invés de extrair da realidade brasileira os possíveis modelos de seu processo evolutivo, mesmo os heterodoxos, ela em geral importa modelos aos quais procura enquadrar a realidade do país, ou entra em pânico quando não há mais modelos utilizáveis.
 
Os liberais do século 19 esmeraram-se em importar os modelos inglês e francês, e depois o norte-americano. Este último serviu de paradigma para a primeira constituição republicana e para a democracia de fachada, ambas fora de lugar, com as quais temos convivido desde o final do século 19. Os socialistas e comunistas do século 20, adeptos de diferentes correntes filosóficas, inclusive do marxismo, procuraram importar os modelos social-democrata europeu, soviético, chinês, cubano ou utópico. Nenhum se adaptou às condições históricas geradas pelo Brasil.
 
Nos anos 1990, diante do fracasso das tentativas de esquerda, muitos de seus pensadores sucumbiram ao neoliberalismo. Depois, frente ao fracasso, ainda não completo, do neoliberalismo, enquanto os pensadores da direita não sabem ao que recorrer, muitos pensadores de esquerda continuam amarrados a algum tipo daqueles modelos do passado, mesmo quando dizem estar imunes a eles.
 
Uma análise, mesmo superficial, da atual intelectualidade de esquerda no Brasil talvez indique que uma parte significativa dela sofre de um ou outro dos males da síndrome do manual. Analisando, por exemplo, a ocupação da reitoria da USP por estudantes, com o apoio de muitos professores, em 2009 e que durou 50 dias, alguns concordam que ela teria rompido o hiato de apatia e desmobilização que marca os movimentos sociais brasileiros. No entanto, sustentam que ela foi marcada por um paradoxo. Pretendeu ser revolucionária e desafiar a ordem legal, mas teria lutado por pautas conservadoras e para restabelecer a ordem.
 
Concluem daí que a política tradicional não tem mais capacidade de processar os conflitos sociais, incapacidade que poderia ser chamada de irrelevância da política. Estaríamos vivendo, então, um momento que não mais entraria nos parâmetros antigos, que teria se caracterizado pelas grandes marchas. O grau de apatia, letargia e neutralização da política teria chegado a tal ponto que reivindicar pequenas coisas conservadoras e apontar os limites das ações do governo já seria uma coisa escandalosa, apesar da novidade de quebrar o silêncio.
 
Mas que novidade isso tem em relação à história dos momentos de refluxo da luta de classes, em que o nível de mobilização parece haver se congelado? Foi por não considerar na devida conta as "operações tartaruga" dos operários, por pequenas coisas conservadoras, como comissões de prevenção de acidentes de trabalho e reposição salarial, durante a apatia e letargia operária dos anos do regime militar, que a esquerda foi incapaz de prever, como deveria, os grandes movimentos de trabalhadores do final dos anos 1970.
 
Como isso não entrava nos parâmetros da luta armada e das grandes manifestações populares, nem em outros modelitos pensados por vários intelectuais, aqueles movimentos "conservadores" na base da sociedade não tinham "relevância política". E nem foram considerados, pelos intelectuais que sofrem da síndrome do manual, como parte do aprendizado econômico e político dos trabalhadores, que os preparou para as grandes jornadas posteriores, decisivas para dar fim à ditadura militar.
 
A avaliação que alguns intelectuais fazem da política educacional do governo Lula, com o ProUni, parece sofrer do mesmo mal. Tal política seria um verdadeiro achado para aqueles países emergentes sem solução, com populações eternamente pobres a serem administradas. Algo como o ProUni permitiria gerir 200 milhões de pessoas sem conflitos, tendo a natureza perversa de conquistar o sonho de vida da maior parte dos jovens pobres, que é o ensino superior.
 
Assim, ao invés de considerar a possibilidade da educação, inclusive a superior, como um instrumento de libertação, capacitando os jovens pobres a analisarem com mais agudeza a realidade em que vivem, a educação seria uma nova forma de dominação. Não passaria de uma hegemonia às avessas, por supostamente capturar o movimento social e levá-lo a uma espécie de eutanásia.
 
Por paradoxal que pareça, esses intelectuais de esquerda consideram que ampliar o acesso de jovens pobres à educação seria uma condução política em sentido inteiramente contrário aos interesses deles. O acerto total dessa política educacional não levaria a lugar algum, porque essa massa de jovens pobres ficará estacionada no lugar, para ser gerida pelas classes dominantes. Em outras palavras, a política educacional do governo Lula estaria errada porque é certa. Eis aonde, em alguns casos, leva a síndrome do manual: ao reacionarismo puro.
 
Não considera que uma grande parte dos jovens pobres é presa da hegemonia dominante justamente porque é ignorante. Dar-lhes educação, ou a capacidade de fazer uma leitura mais precisa da realidade e de seus problemas é uma das maneiras de evitar que fiquem estacionados no lugar. Pode até acontecer que alguns utilizem os conhecimentos para ascender socialmente e negar sua origem social. Também pode acontecer que alguns sejam atacados pela síndrome do manual. Mas a última coisa que pode acontecer à maioria é ficar estacionada no lugar. E isso é muito bom e importante para o futuro da luta social.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
 

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