A escola não sabe o que fazer com os jovens que recebe
A falta de interesse pelo ensino afasta tanto adolescentes pobres quanto ricos das salas de aula, diz sociólogo argentino. A solução para o problema exige um novo modelo de ensino e muito investimento
Ana Aranha
O sociólogo argentino Néstor López é o autor da pesquisa “Os Adolescentes e a escola”, que buscou as raízes do abandono do ensino médio na América Latina. A análise dos dados revelou que não apenas os jovens pobres deixam a escola. Mas também aqueles que não precisariam começar a trabalhar tão cedo. López diz que o problema do abandono está dentro da escola, que não consegue engajar os alunos. Para resolvê-lo, é preciso uma revisão profunda do modelo de ensino médio. E muito investimento.
ÉPOCA – No Brasil, o ensino médio é a etapa quando os alunos mais abandonam a escola. Esse é um problema exclusivo nosso? Néstor López - Todos os países da América Latina enfrentam esse problema. Depois de muitas décadas de esforço, a região está perto de alcançar a educação primária universal. Nessa fase, os problemas de acesso e repetência estão restritos a áreas muito específicas. No entanto, ainda há muito a ser feito para alcançar um cenário semelhante no ensino secundário. Para se ter uma ideia do desafio, menos da metade das adolescentes da região terminam o ensino médio. Nos países que mais longe chegaram, como o Chile, o Peru e Argentina, um terço dos jovens não atinge esta meta.
ÉPOCA – Por que os adolescentes saem da escola? López - Nosso estudo (“A Escola e os adolescentes”), olha em profundidade para esta questão. Há duas grandes questões. A primeira é econômica. Para algumas famílias é muito caro manter seus filhos na escola até o fim do ensino médio. Ainda que contando com educação pública e gratuita, um adolescente estudando implica uma série de gastos significativos, e ao mesmo tempo significa adiar o ingresso dele no mundo do trabalho. Na América Latina, uma região com profundas desigualdades sociais, nem todas as famílias são capazes de manter esse esforço por muito tempo. A segunda questão surge quando se vê, nos dados analisados, que quase metade dos jovens de 16 a 17 anos que não vai à escola não é pobre. Aparece aqui a dimensão mais difícil de definir, que podemos entender como cultural ou subjetiva: a ideia da escola que não consegue seduzir e dialogar com os jovens. Nossas escolas secundárias foram pensadas para educar adolescentes urbanos, brancos e de classe média. Mas as salas são povoadas por outros, bem diferentes. A escola não sabe o que fazer com os jovens que recebe e surge uma dificuldade estrutural de dialogar com eles. A cultura escolar entra, assim, em conflito com a cultura juvenil e é natural que os alunos se sintam desestimulados.
ÉPOCA – Quais são as ações concretas que podem atacar esse problema? López - Talvez não sejam questões concretas, mas sim integrais, profundas e custosas. Há dois campos de ação, o primeiro é a questão econômica. Garantir que cada família tenha os recursos necessários para construir o contexto de bem-estar que uma criança ou adolescente precisa para estudar. Os níveis de pobreza e exclusão que se veem na América Latina representam um obstáculo à educação. A meta de ter uma educação de qualidade para todos passa pela discussão sobre o modelo de desenvolvimento que predomina na região e nos coloca um desafio que excede a escola e as políticas educativas. O segundo campo de intervenção é a escola secundária. É necessário transformar essa escola, que foi feita para selecionar e classificar, em uma escola capaz de educar todos os adolescentes e jovens. Uma escola que integre, que atraia, uma escola da qual o adolescente não queira escapar. Para isso, é preciso docentes preparados para desenvolver estratégias adequadas ao desafio de cada aula. Não é a mesma coisa educar um jovem classe média urbana, um agricultor, um indígena, um emo, um skatista ou qualquer uma das novas configurações de identidade jovem. Cada um requer um tratamento diferente, uma ou outra sala de trabalho. Em segundo lugar, uma escola diferente, que dê a cada professor soluções construídas coletivamente, espaço para reflexão, planejamento e garantia de que suas decisões serão efetivamente aplicadas na sala de aula. Em terceiro lugar, uma relação mais harmoniosa e profissional entre as escolas dentro do sistema educativo, profissional, em que cada escola não está sozinha na missão de oferecer educação de qualidade.
ÉPOCA – Países da Europa e América do Norte também têm esse problema? López - Não, a educação secundária nesses países passou por outro processo de expansão. Para eles foi mais fácil, pois lidavam com um cenário social mais favorável. As dificuldades que enfrentam são similares às nossas na sua essência, mas muito menores na sua extensão. Além de terem mais investimento para enfrentá-la.
ÉPOCA – O Brasil está agora discutindo uma lei para tornar o ensino médio obrigatório. Quais países da América Latina já fizeram isso?
López - A maioria está passando por um processo parecido. Não só por meio de leis, mas é visível um movimento de planos e metas para que o ensino secundário se torne obrigatório. Na minha opinião, é um grande avanço. Nas sociedades modernas, todo conhecimento é necessário para se tornar um cidadão pleno, e se integrar economicamente. Exige, pelo menos, 10 ou 12 anos de educação de qualidade.
Fonte: REVISTA ÉPOCA.
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