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17 de junho de 2009

O VESTIBULAR...SEGUNDO RUBEM ALVES...

O sorteio Aqueles que trabalhavam na elaboração do vestibular da Unicamp sabiam que o problema da exclusão dos alunos, filhos de famílias pobres, não seria resolvido por ele. O novo vestibular modificaria o perfil dos alunos, mas não tinha mecanismos para modificar a sua classe de origem. Foi então que uma nova idéia começou a tomar corpo. Era uma idéia à primeira vista absurda. Tão absurda que bastava mencioná-la para provocar risos: quem a ouvia pensava que se tratava de uma brincadeira. Mas o sentimento do absurdo é, freqüentemente, apenas uma reação diante do novo, do não-familiar, daquilo que transgride o costume, que violenta as formas automatizadas de agir e pensar. Quando Galileu disse que a Terra girava em torno do Sol, quando Darwin afirmou a evolução das espécies, quando Freud fundou a psicanálise, as reações foram de incredulidade e absurdo. Digo isso como um antídoto antecipado ao susto: a idéia que tomou forma foi a de um sorteio. Passado o espanto inicial, o que chamou a nossa atenção foi que esse mecanismo, que parecia ser apenas um processo lotérico de escolha, tinha conseqüências radicais, tanto do ponto de vista social quanto do ponto de vista educacional. A primeira conseqüência, do ponto de vista social, é que, por meio do sorteio, todos os jovens que tivessem concluído o ensino médio e que fossem pobres teriam, pela primeira vez, chances iguais de acesso ao ensino universitário. A segunda conseqüência seria o desaparecimento dos cursinhos, pois a entrada na universidade não mais dependeria de um saber privilegiado só oferecido a uma pequena elite econômica. A terceira conseqüência, agora do ponto de vista educacional e pedagógico, é que os ensinos fundamental e médio ficariam livres do terror. Não mais estaria ligado à guilhotina dos vestibulares. Ele deixaria de ser um “meio” para preparar os alunos para o “fim” dos vestibulares. O ensino se transformaria num fim em si mesmo: saber pela alegria de saber. Na ausência dos vestibulares, não haveria mais sentido em haver escolas organizadas para “preparar os alunos para os vestibulares”. O ensino se desligaria do medo. No tempo dos nossos avós era o medo da palmatória. Agora, o medo dos vestibulares. Mudaram-se as técnicas de intimidação; preservaram-se a mesma psicologia e a mesma pedagogia. As escolas seriam obrigadas a repensar a sua pedagogia e a sua filosofia de educação: teriam de encontrar formas de ensinar em função do valor intrínseco das disciplinas, já que não poderiam mais acenar com a ameaça dos vestibulares. Usando-se uma figura culinária: “Você tem de comer, meu filho, para ficar forte quando crescer” por oposição a “Coma porque está gostoso! Você vai sentir prazer!” O aprendizado “a fim de” passar nos vestibulares – aprendizado que é logo esquecido, passados os exames – seria substituído pelo aprendizado em função do prazer e da utilidade. E assim se iniciaria o cultivo do tipo de inteligência essencial ao desenvolvimento da Ciência: só é bom cientista aquele que pensa como quem brinca. A quarta conseqüência, de ordem social-educacional, seria a seguinte: os pais das classes abastadas, vendo que a loteria é cega, e que os seus filhos não são sorteados, liberados que estão de todas as despesas que tinham anteriormente com os cursinhos, passariam a dispor dos recursos que antes eram queimados na construção dos castelos de areia. Com essa disponibilidade financeira eles teriam condições de criar e sustentar excelentes universidades particulares, como acontece nos Estados Unidos. Os cursinhos poderiam, inclusive, constituir-se no germe das novas universidades. Seriam ampliados, assim, o número de vagas nas universidades, sem que o governo tivesse necessidade de fazer qualquer investimento. Estou consciente da objeção suspensa no ar: sem o terror dos vestibulares, as escolas de ensinos fudamental e médio se deteriorariam. O ensino seria apenas “pró-forma”, já que o aprendido nas referidas escolas se tornou irrelevante para o ingresso nas universidades. Mas esse é um perigo facilmente evitado. O término do ensino médio seria marcado por um exame nacional, preparado e aplicado pelo Ministério da Educação. O objetivo desse exame seria verificar se os alunos haviam atingido o nível mínimo de aprendizagem estabelecido. Não seria classificatório. Haveria dois conceitos apenas: “aprovado” ou “reprovado”. Todos os assim aprovados teriam atingido o patamar de conhecimento julgado suficiente ao término do ensino médio. Teriam cumprido, assim, os requisitos necessários para o ingresso na universidade. O sorteio seria apenas um artifício provisório para resolver o impasse de ser o número de candidatos maior que o número de vagas. Esse exame seria, ao mesmo tempo, nas mãos do Ministério da Educação, o instrumento de que ele não dispõe agora para avaliar o desempenho das escolas. Sorteio – parece coisa absurda! A tentação é jogar a sugestão no lixo, sem antes pensá-la. Mas eu não teria coragem de assumir o risco de apresentá-la se não estivesse convencido de ser ela a melhor alternativa que conheço, no momento.
RUBEM ALVES -

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