Investir em educação é caro ou barato?
Artigo publicado em 09 de novembro de 2004 no jornal Valor Econômico
* Jorge Werthein
Alguns se queixam de que o país gasta muito dinheiro com a educação e propõem, inclusive, abolir os percentuais mínimos fixados pela Constituição. Afinal, a educação é cara ou barata? Há pouco tempo, a Unesco lançou o livro "Educação e Conhecimento", relatando a experiência de Coréia do Sul, Reino Unido, Malásia, Finlândia, Irlanda e Espanha. Em encontro internacional, em Brasília, representantes desses países relataram que a educação tem sido responsável por grande parte de seus avanços econômicos e sociais.
Por que esses países avançaram tanto? Eles não gastam pouco, mas optaram por dar prioridade aos setores que os lançariam com vantagem na sociedade do conhecimento. Em geral, essa foi uma opção de Estado e não só de governo, pactuada pelo poder público e sociedade. Lá, os investimentos educacionais são altos e pagam-se a cada dia, sob a forma de desenvolvimento humano, competitividade internacional e cidadania. Ninguém se queixou de que a educação deveria ficar de lado, de que se colocou dinheiro num saco sem fundo. Ao contrário, ficou claro que esses países não se desenvolveriam se não houvesse um esforço substancial em favor da educação.
A educação não é barata, mas rende grandes resultados. Por isso, não é cara. O preço para se manter milhões na ignorância, se fosse possível calculá-lo, seria consideravelmente maior do que o necessário para estruturar um sistema público de educação de qualidade para todos. E lá, quem propõe cortes na educação é democraticamente ouvido, mas raramente alcança resultados, devido à visão lúcida de sociedades que souberam compreender o quanto a educação é importante para seus países.
O outro lado da moeda é a educação de modesta qualidade. Ela é barata no sentido de ter baixos custos, mas, como os seus frutos são mais escassos, torna-se extremamente cara. É o caso da tradicional controvérsia, no Brasil, e em outros países, entre cuidar primeiro da quantidade e, depois, da qualidade: expandir a matrícula e qualificar a escola depois. As duas faces são inseparáveis e o risco é adiar indefinidamente a qualidade, que, aliás, é uma tarefa complexa. Quando se oferece melhor educação, os alunos são melhor sucedidos e os custos já são compensados, com maior freqüência, pela regularização do fluxo discente.
Além disso, quando a escola é de boa qualidade, quem mais lucra é a sociedade, na medida em que passa a dispor de cidadãos mais bem preparados, em condições de enfrentar os desafios do nosso tempo, com criatividade e inovação. Uma escola de qualidade, com currículos e professores à altura das novas exigências das mudanças e transformações que estão em curso, representa uma economia na medida em que exerce uma função preventiva em relação a vários problemas que afligem os governos - entre eles, aumento da violência, despesas crescentes com a saúde populacional e diversos gastos da área social que decorrem de um processo crônico de analfabetismo e subescolarização. Por isso é importante ampliar os investimentos, pois estes garantem diferentes tipos de retorno.
É preocupante que o Brasil apareça em lugares tão pouco confortáveis nas avaliações mundiais
O Brasil é um dos países que vinculam recursos para a educação, em acordo com o Convênio Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas. Aqui essa vinculação começou com as Constituições de 1934 e 1946, e foi reintroduzida, em 1983, pelo senador João Calmon, proclamado patrono da educação pública nacional e ex-embaixador honorário da Unesco. É interessante lembrar que, no século 19, alguns países latino-americanos lançaram-se à concretização da escola primária universal.
Provavelmente, a primeira experiência de vinculação de recursos e de criação de comissões populares para acompanhar os gastos foi do presidente Sarmiento, da Argentina, que Calmon sempre evocava ("o povo é soberano, educai o soberano"). Depois de três presidências educadoras, a escola primária obrigatória era uma realidade na Argentina. Não apenas lá, mas também em outros países, entre eles Uruguai, Chile e Costa Rica. Se a Costa Rica, para mencionar apenas um exemplo, pode ostentar hoje um exemplar sistema de educação pública, deve-se à visão que teve o, em 1869, de estabelecer a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário, sob a responsabilidade do Estado. E, para dar continuidade a essa visão estratégica da educação, declarou, em 1997, obrigatória a educação pré-escolar e determinou que os gastos com educação não podem ser inferiores a 6% do PIB.
Considera-se que hoje, no Brasil, sobretudo no nível federal, os recursos destinados à educação já se encontram abaixo das necessidades. Todavia, há aqueles que gostariam de pagar o alto custo político de eliminar a vinculação. Certamente, isso seria compensado pela liberdade de desviar verbas da educação para outros setores. Afirma-se que a educação precisa aumentar a eficiência, aproveitar melhor o dinheiro público e apresentar resultados. O problema é que os outros setores padecem dos mesmos problemas. As exigências são mais que justas, desde que aplicadas a todos.
É preocupante que o Brasil apareça em lugares tão pouco confortáveis nas avaliações internacionais. Isso é mais uma evidência de que o barato sai caro. Aliás, sob esse aspecto, pode-se afirmar que o Brasil paga hoje um elevado preço por ter-se omitido ao longo de sua história, sobretudo após a Independência, época em que a maioria das nações européias e muitas do novo mundo, deram passos pioneiros na organização de sistemas públicos de educação.
Em Dacar, o Brasil e outros países firmaram marcante compromisso em favor da educação para todos. Conforme a Declaração, isso implica forte comprometimento político nacional e internacional e aumento significativo do investimento em educação fundamental. Além disso, os recursos devem ser empregados com eficiência e integridade muito maiores. O que significa aproveitar melhor as verbas, com maior responsabilidade e, ao mesmo tempo, contar com mais recursos. É o momento histórico de prosseguir na caminhada, não de voltar atrás.
* Jorge Werthein é doutor em educação pela Universidade de Stanford (EUA) e representante da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil.
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